terça-feira, 7 de março de 2017

Carta de motivação à SP Escola de Teatro

Como antropólogo apaixonado pela literatura e com vocação para a poética, participar de um curso de extensão na SP Escola de Teatro sobre Samuel Beckett é interessante à minha formação devido não somente à potência da performance como artifício de complicação cultural, mas também para explorar a potência do teatro como meio de transformação social.

São célebres os pensadores que ousaram problematizar a irrealidade da realidade da vida, e considerar os campos, as cidades e as ideias como coisas fictícias, preservando no ambiente dos sonhos a verdadeira realidade: como toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real, o eterno aforisma de Hipócrates agora confirma a si mesmo, e o dramaturgo aparece como um criador de realidades potenciais. Antes, o romancista, atualmente, o dramaturgo no palco, ou o diretor servido por uma equipe audiovisual, às vezes os políticos também, estes, os legítimos sonhadores dos sonhos sonhados pela humanidade.

Mas tendo nascido sob constrangimentos sociais que acarretam na classificação da minha pessoa como de "baixa renda" - partilhando da mesma seara econômica dos filhos de caboclos que perderam sua cultura própria ao serem engolidos pela cidade, o que eu, como dramaturgo talhado à imagem da retidão e da ética, devo escrever? Com certeza, a história de nossa gente: dos trabalhadores, dos índios...

Inspira-me a ironia dos diálogos de Tchékov, que produziu durante a crise do drama; as técnicas de purgação da ilusão burguesa operadas por Brecht ao estabelecer o afastamento entre espectadores e atores no palco; mas sobretudo as experiências de Eleonora Fabião, que num misto de improvisação e perigo busca produzir com seu corpo dissonâncias na mesmice da pólis - verdadeiros ritos de passagem. 

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