Mostrando postagens com marcador livro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador livro. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Resenha do livro "Skagboys" de Irvine Welsh

Este livro do Irvine Welsh é muito divertido, um entretenimento de primeira categoria, para o qual vale a pena se debruçar várias horas de uma leitura casual. Narra a história pregressa de Spud, Mark Renton, Begbie e Sick Boy, antes do que já conhecemos através do primeiro livro da série Trainspotting. 

Quando na década de 80 numa Escócia filha do tatcherismo e terreno de greves operárias, adolescentes nascidos nos blocos habitacionais, sem emprego nem nada que se preze para fazer, adotavam excessivamente o estilo de vida de "que se foda" do rock'n'roll e assumem uma postura de auto-destruição, como maneira egotística de protesto e fórmula escapista para uma falta de ambição.

Irvine Welsh, junkie como foi, e habilidoso romancista versado na cultura pop, expõe com humor, sem tabu e nem moralismo, os extremos de toda uma geração, através das vozes em primeira pessoa de suas irresistíveis personagens. 

De uma preliminar contextualização sócio-política verossímil e fiável, o autor vai trabalhando cada aspecto da vida das personagens, para mostrar como o caminho da dependência na heroína, e drogas pesadas em geral, é trilhado em linhas individuais que refletem a personalidade do usuário, seus dramas existenciais, o contexto familiar e político que o rodeia e, principalmente, uma tendência ao vício que é proporcional ao niilismo e falta de vontade da pessoa. 

Como deve ser, o assunto da heroína é tratado primeiro como problema de saúde pública, depois como um estilo de vida glamouroso porque decadente - já que "todo junkie é como um poente"- divulgado por ídolos da cultura pop num repertório infindável de álbuns e filmes de cultura pop.

A droga não aparece daquela maneira maniqueísta e moralista tão comum aos noticiários e ao senso comum, como se a substância fosse capaz de ter vontade própria e deliberadamente atrair  a vítima através de suposto magnetismo químico pelo caminho da perdição.

Mas também não é só isso, já que a heroína é uma curtição danada, ou seja, se não fosse um barato tão bom e indescritível, não teria tanta gente usando e tanto filme e tantos álbuns de música sobre a rainha das drogas. É essa atmosfera que Irvine Welsh consegue criar de forma tão autêntica: realmente se consegue sentir como deve ser andar pelas ruas chuvosas dos bairros antigos da Escócia, na fissura, atrás de um punhado da marronzinha. O primeiro contato com a heroína em cachimbo num baile northern soul. As falcatruas, invasão de propriedade só pela adrenalina, as sangrentas brigas de gangue com pano de fundo nos clubes locais de futebol. As luzes de Londres, a legalidade de Amsterdã. Ouvir uns LPs debatendo música com os parceiros e as gatinhas num mocó. Ou mesmo os efeitos nocivos da droga, a abstinência que esmigalha os ossos, o estômago enrijecido e a falta de apetite, a perda de peso, o rosto que fica chupado e seco, o dentes que apodrecem. Tudo isso Irvine Welsh tem.

Um livro com o qual certamente podem se identificar o junkie e sua família, bem como o próprio traficante, o artista oportunista mas também o psicólogo ou assistente social da clínica de reabilitação.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Pensando sobre Teoria Crítica e o rock

Esse bloco de texto escancara toda a distância que existe entre mim e o mundo real imediato ao meu cotidiano - distante da associação de bairro e dos coletivos auto-organizados, mais ou menos sabido da política pública paulistana, definitivamente alheio aos trâmites institucionais federais e conscientemente analfabeto de economia - em favor de uma realidade idólatra e imersa em devaneios platônicos que embora limitada seja o melhor modo pelo qual posso contribuir a uma discussão importante. Essas pessoas são minhas amigas e andam ao meu lado, insiro-me em sua tradição, aprendo e me inspiro com elas.


O livro do Rodrigo Merheb me fez um pouco mais apaixonado pela música dos anos 60. São várias recomendações musicais permeadas por finas biografias, e tudo amarrado pela reconstituição histórica daquele momento de agitação cultural. Dos testes de LSD em caravana pelos Estados Unidos até os protestos anti-Vietnã, militantes a favor da causa negra e pela liberdade de expressão fizeram da música e da arte um instrumento de conscientização. Com o festival de Monterey em 1967 o rock se firmou como fenômeno de massa, e ao mesmo tempo que líderes políticos de uma nova esquerda queriam utilizar o fenômeno musical como catapulta para a revolução, as gravadoras granjearam contratos milionários, e a moda hippie passou a desfilar pelas calçadas da Califórnia e do mundo.

Personalidades tão desviantes quanto inspiradoras, do náipe de Valerie Solanas (autora do manifesto feminista radical SCUM - também conhecida como a-mulher-que-atirou-em-Andy Warhol); o lúcido e sempre relevante Bob Dylan; o inveterado viciado Lou Reed; a estimulante e talentosa presença de Grace Slick e o insinuante corpo libidinoso e liminar de Mick Jagger foram todos comoditizados pelos holofotes da indústria fonográfica, que exportou comportamentos proibidos mas atraentes, alucinados e transgressores.

A conclusão que se pode tirar é que se o rock como catalisador histórico evidentemente falhou, por ter sido selecionado, censurado e vendido, é porque os universitários estadunidenses do pós-guerra (aumento demográfico e maior densidade de jovens no Ensino Superior) não sabiam com clareza as ações políticas a serem tomadas. Nesse bojo de agentes desnorteados estão inclusos também os próprios ídolos musicais, que longe de serem revolucionários profissionais eram, sim, consciências humanas que encaravam tudo aquilo com o pasmo de quem hesita entre o encanto de uma atmosfera de mudança e a impotência do indivíduo desorganizado e reprimido.

Pois, enfim, o mesmo solo que foi fértil para a experimentação cultural e artística também serviu como cova perversa e profunda  para cadáveres de espíritos visionários e perigosos: Malcolm X (1965), Luther King Jr. (1968), Marshall "Eddie" Conway (Pantera Negra preso em 71 e feito cativo por quase 44 anos). Numa época em que as incendiárias performances roqueiras frequentemente sofriam batidas policiais, a história do próprio Roky Ericsson infelizmente não foi incomum: a apreensão de alguns baseadinhos de maconha em seu bolso foi suficiente para mandá-lo direto para dentro de um manicômio, lá onde recebeu tratamento de choque e, aí sim, foi devidamente perturbado pela ação das instituições pérfidas do Capital.

Merheb é genial, e em seu livro fica claro, a todos os desconfiados, que o establishment, como um organismo vivo, reproduz-se em sua superestrutura através da ação humana.

Merheb, R. (2012). O Som da Revolução: uma história cultural do Rock (1965-1969). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.