sexta-feira, 4 de março de 2016

Pensando sobre Teoria Crítica e o rock

Esse bloco de texto escancara toda a distância que existe entre mim e o mundo real imediato ao meu cotidiano - distante da associação de bairro e dos coletivos auto-organizados, mais ou menos sabido da política pública paulistana, definitivamente alheio aos trâmites institucionais federais e conscientemente analfabeto de economia - em favor de uma realidade idólatra e imersa em devaneios platônicos que embora limitada seja o melhor modo pelo qual posso contribuir a uma discussão importante. Essas pessoas são minhas amigas e andam ao meu lado, insiro-me em sua tradição, aprendo e me inspiro com elas.


O livro do Rodrigo Merheb me fez um pouco mais apaixonado pela música dos anos 60. São várias recomendações musicais permeadas por finas biografias, e tudo amarrado pela reconstituição histórica daquele momento de agitação cultural. Dos testes de LSD em caravana pelos Estados Unidos até os protestos anti-Vietnã, militantes a favor da causa negra e pela liberdade de expressão fizeram da música e da arte um instrumento de conscientização. Com o festival de Monterey em 1967 o rock se firmou como fenômeno de massa, e ao mesmo tempo que líderes políticos de uma nova esquerda queriam utilizar o fenômeno musical como catapulta para a revolução, as gravadoras granjearam contratos milionários, e a moda hippie passou a desfilar pelas calçadas da Califórnia e do mundo.

Personalidades tão desviantes quanto inspiradoras, do náipe de Valerie Solanas (autora do manifesto feminista radical SCUM - também conhecida como a-mulher-que-atirou-em-Andy Warhol); o lúcido e sempre relevante Bob Dylan; o inveterado viciado Lou Reed; a estimulante e talentosa presença de Grace Slick e o insinuante corpo libidinoso e liminar de Mick Jagger foram todos comoditizados pelos holofotes da indústria fonográfica, que exportou comportamentos proibidos mas atraentes, alucinados e transgressores.

A conclusão que se pode tirar é que se o rock como catalisador histórico evidentemente falhou, por ter sido selecionado, censurado e vendido, é porque os universitários estadunidenses do pós-guerra (aumento demográfico e maior densidade de jovens no Ensino Superior) não sabiam com clareza as ações políticas a serem tomadas. Nesse bojo de agentes desnorteados estão inclusos também os próprios ídolos musicais, que longe de serem revolucionários profissionais eram, sim, consciências humanas que encaravam tudo aquilo com o pasmo de quem hesita entre o encanto de uma atmosfera de mudança e a impotência do indivíduo desorganizado e reprimido.

Pois, enfim, o mesmo solo que foi fértil para a experimentação cultural e artística também serviu como cova perversa e profunda  para cadáveres de espíritos visionários e perigosos: Malcolm X (1965), Luther King Jr. (1968), Marshall "Eddie" Conway (Pantera Negra preso em 71 e feito cativo por quase 44 anos). Numa época em que as incendiárias performances roqueiras frequentemente sofriam batidas policiais, a história do próprio Roky Ericsson infelizmente não foi incomum: a apreensão de alguns baseadinhos de maconha em seu bolso foi suficiente para mandá-lo direto para dentro de um manicômio, lá onde recebeu tratamento de choque e, aí sim, foi devidamente perturbado pela ação das instituições pérfidas do Capital.

Merheb é genial, e em seu livro fica claro, a todos os desconfiados, que o establishment, como um organismo vivo, reproduz-se em sua superestrutura através da ação humana.

Merheb, R. (2012). O Som da Revolução: uma história cultural do Rock (1965-1969). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

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