Escrevo porque preciso, e preciso escrever porque existo. Existo ao escrever.
A inspiração não me vem de fora, mas do interior - a introspecção letrada dos sentimentos faz avivar-me alma. As palavras são acesso à compreensão de mim mesmo. Irrevogável tratado ontológico íntimo e próprio.
Aos 22 anos de uma existência banal (como todas as existências) e desacreditada (como algumas), excedo pela virtude da observação. O mundo social aparece-me a mim claro em suas motivações, embora tudo me chegue como vão e desnecessário.
Não acredito no dinheiro tampouco no prestígio de finos panos. Vivo, desinteressado pelo mundo material, como sempre vivi, estimando a Harmonia. Se agora aparo a barba, e não me trajo mais com roupas maltrapilhas, não é para que me vejam como alguém que não sou, mas sim para que quando o transeunte olhe da calçada para meu corpo ocupando o banco da lotação ele não me estranhe como um alguém de presença disruptiva.
Não aspiro à "arte" nem tampouco à "literatura". Apenas acho que para ser bem entendido o melhor são minhas palavras ao invés do diálogo tenso, olho-no-olho, de pés inquietos e fala atropelada. E por isso não faz sentido que eu mostre este fragmento a ninguém, pois é íntimo e hermético - de interesse nulo a qualquer pessoa que não esteja interessada profundamente em mim mesmo.
E quem está legitimamente interessado em mim, além de mim mesmo? Está além da minha presunção a audácia de interromper o bem-correr das atividades cotidianas de amiga ou amigo para sugerir a leitura disso aqui.
E quem está legitimamente interessado em mim, além de mim mesmo? Está além da minha presunção a audácia de interromper o bem-correr das atividades cotidianas de amiga ou amigo para sugerir a leitura disso aqui.
E assim é melhor, pois escrevo sem me importar se vão aprovar. Neste parágrafo eu tenho o mundo. Alço voo e enquanto flutuo no ar minha sombra desloca-se horizontalmente no asfalto fosco. Tenho todo o panorama da cidade de São Paulo, e pouso sem solavancos no centro da Praça da Sé, mas hoje não há mendigos e indigentes. Ando acompanhado de meu amor ao meu lado e somos um. Não discordamos, e o caminho que ela quer fazer eu também quero, e o passeio acontece fluido sem que nos esgotemos ou percamos a paciência um com o outro. Sou mais um pai-de-família chinês que após o almoço fuma compenetrado e de pernas cruzadas na calçada da Liberdade, e o tabaco seco junto do café amargo nutrem-me o gosto do paladar.
Quem me leria? Se, mesmo quem já me amou, e sabendo que existe este sítio, nunca se dispôs a averiguar aqui os interstícios da minha alma,
se mesmo ela não me lê, quem me lerá?
Mas, então, como deveria de ser, senão assim mesmo? Ninguém me deve coisa alguma.
Quem me leria? Se, mesmo quem já me amou, e sabendo que existe este sítio, nunca se dispôs a averiguar aqui os interstícios da minha alma,
se mesmo ela não me lê, quem me lerá?
Mas, então, como deveria de ser, senão assim mesmo? Ninguém me deve coisa alguma.
Oxalá quem me conhecesse acessasse, motivado pelo interesse no que sou, este domínio digital. Sim: escrevo pela necessidade de que me reconheçam, entendam-me e me estimem em minha desconexão tão humana. Escrevo para mim mesmo mas com a necessidade de que também os outros me acessem.
Não há Eu sem Outro.
Não há Eu sem Outro.
Com pesar arrasto-me pelas horas, fumando cigarros para desbaratinar as ideias mais perversas que me invadem a consciência. Canso-me de me cansar com pensamentos opressores.
Dissolvo-me na imensidão do Outro quando uma conversa agradável entabula-se entre mim e algum interlocutor. Desabrocho quando me surge a motivação para ler um livro ou se são abertas as portas da imaginação para assistir a um filme, ou a solicitude para descobrir pela primeira vez a sonoridade oculta de um álbum inédito. Sim, isto é deveras viver. Quando o tempo é suspenso e se desenlaça a fascínios.
De súbito a angústia transborda-me e minha alma fica nítida a mim. Corro escada acima para escrever e gloriosamente pontuo as palavras enquanto as primeiras chuvas caem do céu branco sem brilho.
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