quinta-feira, 28 de abril de 2016

diário pós aula de teoria crítica

Já fui tirado de existencialista, como se o ato de conscientemente refletir sobre ideias fosse reprovável. 

Quero saber com quem converso. Aqueles que, como alfaces, apenas existem e adquirem diplomas e passam pela vida sem nunca despertar, motivados pelos mesmos motivos que a galinha ao atravessar a rua: chegar ao outro lado; ou indivíduos que entenderam que esta vida, neste planeta Terra, o grande Salão do Sofrimento, não passa de apenas mais um episódio na incognoscível saga do espírito.

A música que ouvimos é um produto, e a letra da nossa canção favorita é apenas manifestação mágica levada a cabo por outro ser humano que idealizadamente poetizou  seu sonho inverídico; o cinema nada mais é do que delírio criativo viabilizado pela cifra de bilhões de dólares que portentosamente ditam o que devemos esperar do amor e da guerra, da política e do comércio, da sociedade e da essência do humano. 

Como reagir diante da constatação de que passamos pela sociedade de consumo amando o entretenimento com que nos servem, assim como personagens sado-masoquistas amam a jaula porque têm medo de a romper e caminhar pela densa névoa suspensa ao redor?

As ilusões multiplicam-se como espectros tridimensionais numa sala repleta de espelhos. A minha arte é triste, isolada, mas sincera - pois imput de bits nesta tela é pressionado pelo sangue dos meus dias que irriga a ponta desses dedos vermelhos de carne.

Sentado rígido à cadeira, contorço minhas costelas ociosas com um giro sobre o próprio umbigo, e sondo com olhar inquisidor a sala de aula, as cadeiras vazias e as pessoas esparsamente acomodadas nos assentos. Sinto que posso proferir palavras e entabular frases tão precisas e dignas a cada uma delas que, neste dia certamente, durante este momento, a garota resplandeceria diante do meu comentário indulgente, de curiosidade sincera e positiva.

(Sou um observador, pois me lembro dela a partir de outras aulas e de outras vidas. Sua presença segura, e a maneira como deixa cair seu braço esquerdo pelo pescoço da cadeira vazia, e seu cabelo em corte diferenciado, encantam-me. Sim: porque ela se virou para me ouvir respirar, e porque hoje me dirigi a ela e ela sorriu. Encanto-me quase que indiscriminadamente. Sou apaixonado por todas estas pessoas, pois elas existem. Comunico-me: miro seu pé enquanto o cabelo cai-lhe sobre os olhos - ela não me vê agora, mas tenho certeza de que neste momento nossas mentes travaram, telepaticamente, alguma comunicação.)

Mas como ela me vê quando estou de costas? E como ela avalia minha presença física na sala de aula? Tenho medo de que ela me estranhe. Gosto de imaginar este cômodo, visto de cima ou lateralmente, e me vislumbrar apenas como mais um estudante diante da lousa e do professor carrancudo. O mundo que acontece também fora dos meus pensamentos assiste ao meu corpo existir nesta sala. Existe não apenas para mim mas, solenemente, também para os outros. Aqui sentado sou apenas mais um - eu, indiferente de qualquer destas graciosas pessoas também sentadas, que pensam e sentem e adicionam sua benigna presença na sublime equação da harmonia.

Aniquilo meu ego e por conta disso eu murcho: não digo a ela nada do que poderia eu dizer para lha alegrar. Minha masculinidade é absente, como se o universo fosse ficar ofendido da ocasião em que eu infundisse e administrasse minha personalidade no momento. Sim, por que me envolver, já que tudo, afinal, vai correr bem sem mim? Já que ela vai enlaçar de volta nos ombros a bolsa, como sempre fez, e se levantar no horário habitual com o livro em mãos para abrir a porta e sumir da minha vista; já que o tempo flui e tudo passa, por que devo intervir?

Odeio quando me esvazio de mim mesmo, e sinto que no fluxo das ações que compõem o Universo minha (falta de) iniciativa é ora ditada, ora interrompida, pela impressão que suponho sentirem os outros sobre mim: todo o potencial da minha Vontade é solapado pelo que imagino que os outros seres humanos de carne e osso, com pensamento (vegetativo ou autônomo), entenderão da minha manifestação.

Murcho, volto para casa com pena e confuso, pois considerando a efemeridade das épocas, e maculado pela distância intransponível que se interpõe entre almas inconciliáveis em corpos apartados, sinto-me sozinho neste mundo em que tudo o que sou é um espírito, tudo o que tenho é um corpo e tudo o que me governa são sensações.

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