Primeiramente, sou grato por ter tido acesso a estas linhas tão genuínas, que em sua angústia e lirismo desvelam uma personalidade densa e sensível. Como a autora disse, expor assim os sentimentos equivale a ser despida. Então espero que minhas impressões escritas abaixo não sejam como o toque invasivo que irrita a pele.
There's a devil on my back ou "por que sozinha?" |
Com vocabulário simples e preciso a Bia consegue sugerir ao leitor imagens arrebatadoras e excruciantes de uma condição de desassossego. Imagino que o efeito de transcrever as emoções em palavras tenha o sabor de uma redenção: externalizar aquilo que aflige a alma e buscar a compreensão. Neste sentido, um dos méritos da autora é selecionar palavras leves e líricas para criar imagens nítidas de sentimentos tão retorcidos e insólitos, favorecendo a comunicação com quem lê e também possibilitando o entendimento da sua própria personalidade. Vejamos:
- E aí não cabe, e da minha pequenês eu nasço. Como eu vou dormir daqui a pouco enquanto o mundo nasceu a 4 bilhões de anos e eu só acordei não faz nem 15 horas? E ele ainda vai nascer, e eu tambem.
Identifico-me com a sensação de pequenez, a dúvida e o senso de espanto diante da existência. Nascemos pelados mas somos obrigados a tomar parte na moderna corrida dos ratos como se fosse possível levar conosco aquilo que "batalhamos" e "conquistamos" na vida, mas para quê? Onde tudo isso nos leva? Qual o sentido?
Se a morte é uma das certezas, então por que ninguém tem respostas convincentes para o que acontece depois?
"Quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?" Confúcio ( 551 A.C - 479 A.C)
Bia, é difícil ser ser-humano, e existir neste mundo é realmente muito bizarro se formos parar para pensar... As dúvidas são infinitas, mas às vezes me pergunto: por que matutar questões tão torturantes que às vezes não fazem nada além de esfrangalhar a nossa frágil consciência?
Uma certeza que eu tenho é que nos 5 minutos após a morte, quando este corpo de agora fenecer, meu Espírito se lembrará da vida que viveu como "Leonardo" e de todas as outras vidas inteiras que viveu antes de mim como João, Maria ou Roberto. A visão panorâmica e atemporal do Espírito mostrará que esta carcaça de carne e osso que tenho é apenas um estágio da minha evolução - e que níveis de existência mais pacatos existem para mim, bastando apenas que nesta vida eu me comprometa a evoluir com responsabilidade. A auto-destruição neste sentido seria uma chaga que o espírito carregaria para além da vida. E daí eu tenho certeza que seria mandado para este plano material como um ser-humano mais uma vez... para sofrer tudo de novo e aprender com a vida! Mas isso é só o que eu penso... você concorda?
- Tento contar até dez mas me perco em meus pés: tem um buraco sem fim ali que sempre me atrai. Meu alinhavo frouxo não costura pé descosturado, e nem agulha de tricô alcança o fim de minhas pernas. Minha cabeça é o topo de um abismo de 1,67; o chão tá tão longe. Eu sou infinita, sou infinitamente finita.
Esta imagem é especialmente singular. No decorrer dos trechos vai ficando evidente uma consciência que estranha o próprio corpo. Uma padrão de pensamento obsessivo que produz desconforto crônico. A criatividade da imagem é encantadora, mas enxergaria mesmo a autora um buraco entre os pés? Ou o sentimento que deu origem à imagem transcende as palavras? De qualquer forma, aqui há sentimento visceral e habilidade literária!
Mas a Bia não é só angústia, é também o convite à cumplicidade e afeto. Uma garota que quer poder compartilhar seu amor e sentir-se querida:
- Descalce teus pés em meus e os aqueça desse frio; o que é longe de meu coração não precisa ser do seu. Minha voz rasgada não diz nada, mas preciso que seus ouvidos ouçam tudo. Desse silêncio quero que ouça minha Scherazade, e que de meu grito não sobre nada.
Confissões trocadas no quarto escuro. Diálogo intenso de almas. Mas agora todas as palavras já parecem ser fúteis, e o silêncio não incomoda mais. O mesmo corpo que outrora era objeto de estranhamento agora se reconhece noutro. A cabeça repousa no peito, confortável e serena.
As emoções são variadas, ora retratam uma mente estressada que parece constantemente se sabotar, ora descrevem o espanto comum a todos os seres humanos que olham para a vida com um senso de admiração, ora demandam atenção e carinho. O resultado dos escritos é um texto lírico que transmite naturalmente a sensação de leveza - súplica ou arte? Provavelmente ambos!
Não estou aqui querendo julgar e atribuir notas objetivas ao sofrimento alheio. Primeiramente, queria poder conhecer os mistérios da sua personalidade. Você tem um estilo singular, é capaz de costurar, de desenhar e de escrever! O ser humano é como um poço sem fim que deve transbordar entusiasmo. Supor que duas pessoas às vezes podem ficar sem assunto e se estranharem é desconsiderar a infinitude da mente!
No limite, apenas a companhia compartilhada já é suficiente para se sentir bem - e eu me senti à vontade sentado ao seu lado. Eu com camiseta de belzebu e você "up to no good". Na quinta-feira passada quando você me entregou o livro e ofereceu cigarros eu não aceitei porque senti que "agora sou um com meus amigos, engajado numa conversa amena e recreativa". Meu desejo era faltar na aula para continuar naquele momento gostoso em que todos nós fomos destacados da correria da Babilônia e ascendemos juntos a uma nuvem de empatia na tarde chuvosa. Você viu como hesitei e fiquei orbitando lá ao redor de você e do Honda...!
Em segundo lugar, me interesse especialmente por pessoas com verve artística. O leitor, por sua vez, padece com o sofrimento da garota, mas se alegra por saber que ela atualmente tem superado suas dificuldades. Aquele que se interessa por palavras também se encanta pela destreza que a autora exibe. Pergunto-me, neste sentido, por fim, se ela foi escrevendo pouco a pouco, como que encaixando peças de um quebra cabeça, realocando palavras e corrigindo erros, ou depositou no papel tudo de uma vez, de maneira que o que se lê é a primeira e última versão daquilo que foi derradeiramente escrito.
Enfim, li no Instagram que você estava mal, e desejo força para você, amiga. Já gosto de você. Acredito que os amigos podem ajudar um ao outro naquilo que é de mais valioso na vida: pensar positivo. Se cuida.
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