sexta-feira, 18 de março de 2016

Exercício: descrição breve em 15 minutos (ou Diga-me o que ouves e te direis quem és)

Música para quem não tem amor próprio

Lembro-me muito bem de quando ouvia esse álbum com headphone e volume bem alto andando pelas calçadas insólitas da capital. A espuma quente abafava os ruídos e esmigalhava a orelha suada. Olhe para essa capa, ela é asquerosa e o conteúdo dessas letras é tão espúrio quanto uma banheira entulhada com seringas de heroína. Eu estava no Bar do Bin Laden tomando uma cerveja Lokal atrás da outra, e eram 16h da tarde. Sentado na cadeira vermelha de plástico na calçada eu olhava os prédios de cor marrom desbotada e múltiplas janelas que olhavam de volta para mim como vultos fantasmagóricos de torpor alcoólico. Atrás dos prédios as nuvens vulgares com seu movimento insolente induziam à náusea. Mais cedo eu tinha ido ao bar do China na Galeria e havia tomado litrões e algumas doses de tequila. Por que eu estava fazendo aquilo? Eu tinha namorada, dinheiro no banco e uma sede por álcool e auto-destruição. Anoiteceu no Bar do Bin e eu continuava na calçada, levantei e com o andar trôpego arrisquei conversar com o Alê - o t(...) da casa, que impetuosamente me repreendeu por ficar a tarde inteira sentado com cara de idiota olhando tudo acontecer "sem trocar ideia". Fui tocado de sua presença como um cachorro manco, e ele dizendo "não sei nem por que você tá falando assim tão perto de mim...se afasta,cara." A única reação que eu consegui esboçar era uma profunda indignação "Por quê...?" Alucinado, indefeso e maltratado. Sim, o Alê, o t(...) particular dos neuróticos frequentadores do pulgueiro mais sensacional no centro da cidade na 9 de Julho, fora ele a única pessoa com quem eu tinha tinha trocado uma única palavra naquele dia inteiro  - não-intencionalmente e depois de muito beber e perder toda a minha consciência. Retração crônica. Nessa febre eu sentei ao lado da Japa e comecei a beijar a mão e o braço dela, dizendo que ela era quente - e ela estava gostando. Há quanto tempo isso não acontecia na minha vida? Aliás, isso já havia acontecido antes...? O Alê enciumado ficou mais puto ainda. "Por mim você não tava nem conversando comigo, sai do meu lado e volta pra Japa, cara." O bar lotou. Eu não sabia que tipo de negócio eu tinha para resolver naquele lugar. Eu tinha namorada. Fugi e sem nem saber entrei no metro a tempo de voltar para casa. Na lotação eu dormi e perdi o ponto para descer, e no terminal quando o motorista manobrava para estacionar eu coloquei a cabeça para fora da janela e vomitei. Cheguei em casa e no meu quarto vomitei mais um pouco do lado da cama. Minha situação era tão deplorável que eu não consegui nem pensar em limpar aquele vômito aguado e etílico. Dormi e acordei de manhã com o cheiro azedo e o celular tocando. Minha cabeça tilintava a cada pensamento. Quem poderia ser? Sim, minha namorada. "Leonardo, você está vivo?" No dia anterior eu passei o tempo todo bebendo e esqueci da existência dela. Não dei um sinal de vida, e ainda flertei com uma japonesa. Sim, eu não queria amá-la. Não, eu queria mas não sabia como.  Não! eu não suportava mais aquela prisão a que os tolos chamam "amor".

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