O ascetismo indiano impunha a relação do eu com o si-próprio, em um esforço místico de aproximar o ser humano a Deus.
A yoga era praticada desde a proto-história indiana, e seus ensinamentos eram mantidos por um antigo colégio de sábios videntes. Através de práticas de ascetismo, o yogue reconhece a sublime interdependência entre o eu-autônomo e a consciência divina. Intensificada esta sensação de interdependência, a ilusão egoísta do eu-autônomo é desfeita, dando lugar à noção de criatura passa a ser emerge na consciência do yogue.
A noção de criatura é holística à medida que conecta o ser humano a uma Inteligência e Sabedoria superiores, como elemento menor de um grande arranjo ou desenho cósmico. A sociedade deixa de aparecer como um fenômeno a serviço do indivíduo.
O asceta reconhece que as todas as circunstâncias e condições de sua vida presente são resultado de decisões e escolhas realizadas previamente. Este princípio ativo-reativo, também conhecido como a Lei do Karma, explica as discrepâncias entre talentos individuais e coloca o indivíduo como responsável por seu destino à medida que é livre para exercer em ação a sua vontade. A análise profunda de causas e consequências revela-se coerente também ao nível do pensamento, pois é através de energias psíquicas positivas que a mente humana estabelece uma realidade própria que seja satisfatória.
A cosmogênese de uma sociedade holística geralmente estabelece que os seres vivos sejam realizados por graça divina. A dieta que assassina um exemplar vivo do princípio anímico universal, quando em consubstanciação no corpo humano, é causa de desequilíbrios. Este o princípio de ãhimsa - ou princípio da não-violência estabelece que o ser humano, ao se alimentar de ser vivo assassinado, está assassinando a uma fragmento diminuto, mas da mesma substância de Deus; e além disso, quando seu alimento vegetal não é consubstanciado em oferenda, então é como se estivesse roubando ao próprio Deus.
Com a chegada da cultura Ariana à Índia, no entanto, a presença de sacerdotes brâmanes colaborou para hierarquizar sectariamente a conexão do ser humano a Deus. A prática do eu-asceta foi substituída pela conformação do eu-ritual, encontrado nas mesas sacrificiais onde o sacerdote intermediava o contato entre Deus e ser-humano.
A possessão divina encontrada no próprio corpo e na consciência do asceta, através de uma busca mística interior, foi substituída pela cerimônia ritual, que transmuta a relação indivíduo-Deus para uma atualização do contexto temporal. O objetivo da cerimônia sacrificial realizada pelo sacerdote era produzir alteração no conteúdo religioso do tempo, estimulando prosperidade, prudência, etc dentro do tempo cotidiano, e renovando a vida sobre a morte.
Se na sociedade holística o potencial divinatório é localizado no conjunto corpo-alma, que deve ser trabalhado em conexão com os auspiciosos objetivos da intencionalidade divina, na sociedade védica o sagrado é verificado não no corpo mas sim no próprio sistema hierárquico de castas, o qual tem na figura do sacerdote um pólo emanador de bênçãos contextualmente orientadas.
Vemos portanto como o asceta, sendo um indivíduo renunciador por excelência, consegue intensificar o sentimento de dependência existente entre a Consciência Divina e o Eu-Interior humano, estabelecendo a noção de criatura, que num processo de identificação mística produz a sacralização do ser humano em seu próprio corpo.
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