terça-feira, 20 de dezembro de 2016

conto inacabado em que não acontece nada (risos)

Meio minuto de interação com um estrupício é o suficiente para dar conta do absurdo que é a estupidez humana.  

Havia recentemente realizado o prazer da invasão de propriedade, ou como preferia dizer "o escoltamento das facilidades espaciais na periferia suburbana" - isto é, andava pelas calçadas como se andasse no game GTA. 

Vinha caminhando pela avenida principal, sem novidades, quando de um surto dobrou à esquerda, adentrando uma viela desconhecida e suspeita, ao longo da qual só havia carros estacionados, e no final do caminho um altíssimo portão de ferro fazendo bloqueio - estímulo real para exploração. 

Foi que foi, ultrapassou o portão, cruzou o grande terreno com os braços cruzados e passos seguros como quem não queria nada, e de uma galgada ascendeu à margem do riacho que corria ao fundo, oculto naquela paisagem misteriosa. O cachorro sentinela fazia a sesta resfolegando na casinha à sombra e nem se deu conta do maluco que agora pisava com as havaianas pretas sobre o capim molhado, a bosta de cavalo e sobre todo o tipo de entulho que há ao curso deste sem-número de córregos mal-cuidados de quebrada. 

Uma escada alta como a Estátua da Liberdade encostada na lateral do muro no terreno ermo foi convite para subir e observar do alto os telhados e quarteirões de toda a quebrada ao longo da avenida principal. Atrás de si os raios de sol dardejavam por entre as nuvens iluminando com fachos espessos de luz o esplendoroso paredão dos casebres laranja de tijolo baiano descoberto.

Desceu a escada e continuou pelo trecho plano que margeava as águas acinzentadas do pobre rio, no curso do qual aparecia a face traseira das casas, usada geralmente para varanda, onde havia infinitos varais com séries de peças multicoloridas secando ao vento. 

Na encruzilhada, seguiu pela vereda rodeada de capim muito alto e sob o pé de uma bananeira macabra fez reverência ao capeta, mas não querendo ficar ali por muito tempo, decidiu manter foco na missão e logo encontrou uma firme ponte de metal que cruzava as duas margens do rio. Pendurou-se na plataforma com toda sua força, subiu também as pernas fazendo contraponto com os pés no tronco de uma árvore e, abandonando aquelas paragens sorrateiras, apressou o passo para o seu destino.

Estava agora se aproximando da mesa, situada no jardim, à qual estava sentado o avô desta garota com quem estava saindo. Tomava-se chá. Há 20 anos o velho tinha problema nos rins, o que deixava sua pele esbranquiçada como a troca de pele de uma cobra, e seus olhos de um claro anormal que lembrava o branco do leite. A mesa estava cercada por muros cobertos por folhas de trepadeira, e em um deles havia um pequeno portão de madeira por onde as pessoas acessavam o recinto, que no alto estava parcialmente coberto por uma parreira.

O velho balbuciou qualquer coisa, e ficou encarando com perplexidade o jovem, que sem saber como reagir disse um "boa tarde" tímido, mas o velho em toda sua esquisitice de réptil ancião inquiriu, pronunciando as palavras lentamente:
- Você está falando comigo?
O jovem de pronto respondeu:
- O senhor estava me olhando...
- Você está falando comigo? - indagou de novo o velho, como se o ato de alguém desconhecido dirigir-lhe a palavra fosse ultrajante demais para ser aceito, ou quem sabe raro demais nestes dias de velhice e impessoalidade.
O jovem pensou por alguns segundos e preferiu dissuadir sua própria vontade de interação:
- Não, não estou falando com ninguém! - disse, cruzou os braços e deu as costas.

A coisa mais mundana aconteceu quando o jardineiro estendeu o pescoço por sobre um dos muros como um cuco maníaco de um relógio, e perguntou com os olhos esbugalhados e débeis:
- Seu Pedro, tá tudo certo aí?
Ao que o velho concordou, meneando positivamente a cabeça para cima e para baixo, duas vezes e vagarosamente.

Sim, neste momento ficou claro para o jovem alguma coisa sobre a velhice ou sobre a vida humana em geral.

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