domingo, 31 de janeiro de 2016

Vilém Flusser - Filosofia da Caixa Preta (fichamento livre dos 3 primeiros capítulos + citações do quarto em diante)

Câmera fotográfica: aparelho pós-industrial com possibilidades finitas de execução de superfícies simbólicas.

"O fotógrafo age em prol do esgotamento do programa e em prol da realização dos universo fotográfico".

Câmera como brinquedo: fotógrafo como homo ludens  (versus homo faber). Homem brinca contra seu brinquedo. De maneira que não esteja cercado de instrumentos (artesão medieval), nem submisso à máquina (proletário industrial) mas sim dentro do aparelho. Funcionário e aparelho se confundem.

"Funcionários dominam jogos para os quais não podem ser totalmente competentes." Fotógrafo como incapaz de esgotar a fotografia, pois não precisa saber o que se passa no interior da caixa. Domina input e output. Entretanto o aparelho é programado pela indústria, que é programada pela economia, que o é pela forma de pensar... O ato de fotografar desvenda a própria condição pós-industrial.

Hardware: coisa dura, a câmera, plástico, lente, metal
Software: impalpável.

Assim,
hardware: permite produção de fotografias automáticas;
software: programação que permite ao fotógrafo fazer com que fotografias deliberadas sejam produzidas.

Fotografia como maniqueísmo realizado pelo sistema -fotógrafo-aparelho, ou seja, seleção de momentos (e não processos) para magicizar.

Fotografia PB valoriza mais os conceitos, pois em sua própria superfície já abstrai cores e se apóia no pensamento teórico-conceitual.

Fotógrafo como caçador de símbolos culturais, que em sua composição são driblados a partir de como domina o output. Não caça processos, mas sim cenas, que magiciza e faz transcodificar sua intenção em conceitos, antes de poder transcodificá-la em imagens.

Inversão do vetor-significação: não o significado, mas o significante é a realidade. Fotografia é pós-ideológica pois há equivalência de todos os pontos de vista programados, em relação à cena a ser produzida. Seu interesse está concentrado no aparelho: quando caça é para descobrir cenas jamais vistas, no interior do aparelho. Transcodificação de conceitos que pretendem ser impressões automáticas do mundo lá fora. Imagens de conceitos, conceitos transcodificados em cena.

4 - Gesto de fotografar

Na realidade, o fotógrafo procura estabelecer situações jamais existentes antes. Quando caça na taiga, não significa que esteja procurando por novas situações lá fora na taiga: mas sua busca são pretextos para novas situações no interior do aparelho.

5 - A fotografia

A intenção é a de eternizar seus conceitos em forma de imagens acessíveis a outros, a fim de se eternizar nos outros.

A intenção programada no aparelho é a de realizar o seu programa, ou seja, programar os homens para que lhe sirvam de feed-back para seu contínuo aperfeiçoamento.

O aparelho fotográfico é um produto do aparelho da indústria fotográfica, que é produto do aparelho do parque industrial. que é produto do aparelho sócio-econômico e assim por diante. Através de toda essa hierarquia de aparelhos, corre uma única e gigantesca intenção, que se manifesta no output do aparelho fotográfico: fazer com que os aparelhos programem a sociedade para um comportamento propício ao constante aperfeiçoamento dos aparelhos.

O fotógrafo visa eternizar-se nos outros por intermédio da fotografia. O aparelho visa programar a sociedade através das fotografias para um comportamento que lhe permita aperfeiçoar-se. A fotografia é, pois, mensagem que articula ambas as intenções codificadoras. Enquanto não existir crítica fotográfica que releve essa ambiguidade do corpo fotográfico, a intenção do aparelho prevalecerá sobre a intenção humana.

Quadros devem ser apropriados para serem distribuídos: comprados, roubados, ofertados. São objetos que têm valor enquanto objetos. Prova disto é que os quadros atestam seu produtor: traços do pincel por exemplo. A fotografia, por sua vez, é multiplicável. Distribuí-la é multiplicá-la. O aparelho produz protótipos cujo destino é serem estereotipados. 

6 - A distribuição da fotografia

Seu valor está na informação que transmite. Com efeito, a fotografia é o primeiro objeto pós-industrial: o valor se transferiu do objeto para a informação. Pós-indústria é precisamente isso: desejar informação e não mais objetos. Não mais possuir e distribuir propriedades (capitalismo ou socialismo). Trata-se de dispor de informações (sociedade informática). Não mais de um par de sapato, mais um móvel, porém, mais uma viagem, mais uma escola. Eis a meta. Transformação de valores, tornada palpável nas fotografias.

A cada vez que troca de canal, a fotografia muda de significado: de científica passa a ser política, artística, privativa. A divisão das fotografias em canais de distribuição não é operação meramente mecânica: trata-se de operação de transcodificação. 

Há canais para fotografias indicativas, por exemplo livros científicos e jornais diários. Há canais para fotografias imperativas, por exemplo, cartazes de propaganda comercial e política. E há canais para fotografias artísticas, por exemplo, revistas, exposições e museus.

No canal, a intenção do fotógrafo e do aparelho se co-implicam pela mesma involução já discutida: o fotógrafo fotografa  em função de um jornal determinado, porque este lhe permite alcançar centenas de milhares de receptores e porque o paga. O fotógrafo crê estar utilizando o jornal como médium, enquanto o jornal crê estar utilizando o fotógrafo em função de seu programa. Do ponto de vista do jornal, quando a fotografia recodifica os artigos lineares em imagens, "ilustrando-os", está permitindo a programação mágica dos compradores do jornal em comportamento adequado. Ao fotografar, o fotógrafo sabe que sua fotografia será aceita pelo jornal somente se esta se enquadrar em seu programa. De maneira que vai procurar driblar tal censura, ao contrabandear na fotografia elementos estéticos, políticos e epistemológicos não previstos no programa. Vai procurar submeter a intenção do jornal à sua. Este, por sua vez, embora possa descobrir tal tentativa astuciosa, pode vir a aceitar a fotografia com o propósito de enriquecer seu programa. Vai procurar recuperar a intenção subversiva. Pois bem, o que vale para jornais, vale para os demais canais de distribuição de fotografias, uma vez que todos revelarão, sob análise crítica, a luta dramática entre a intenção do fotógrafo e a do aparelho distribuidor de fotografias.

[...] antes de seren distribuídas, as fotografias são transcodificadas pelo aparelho de distribuição, a fim de serem subdivididas em canais diferentes; somente dentro do canal, do medium, adquirem seu último significado; nessa transcodificação, cooperam tanto o fotógrafo quanto o aparelho. Este fato é silenciado pela maior parte da crítica, o que torna os aparelhos de distribuição invisíveis para os receptores das fotografias. Graças a tal crítica "funcional", o receptor da fotografia vai recebê-la de modo não-crítico. E será assim que os aparelhos de distribuição poderão programar o receptor para comportamento mágico que sirva de feed-back para seus aparelhos.

7 - De modo geral, todo mundo possui um aparelho fotográfico e fotografa, assim como, praticamente, todo mundo está alfabetizado e produz textos. Quem sabe escrever, sabe ler; logo, quem sabe fotografar sabe decifrar fotografias. Engano. Para captarmos a razão pela qual quem fotografa pode ser considerado analfabeto fotográfico, é preciso considerar a democratização do ato fotográfico.

O aparelho fotográfico assim comprado será de "último modelo": menor, mais barato, mais automático e eficiente que o anterior. O aparelho deve o aperfeiçoamento constante de modelos ao feed-back dos que fotografam. [...] Neste sentido, os compradores de aparelhos fotográficos são funcionários do aparelho da indústria fotográfica.

Quem possui aparelho fotográfico de "último modelo", pode fotografar "bem" sem saber o que se passa no interior do aparelho. Caixa preta.

Fotografar pode virar mania, o que evoca o uso de drogas. Na curva desse jogo maníaco, pode surgir um ponto a partir do qual o homem-desprovido-de-aparelho se sente cego. Não sabe mais olhar, a não ser através do aparelho. De maneira que não está face ao aparelho (como o artesão frente ao instrumento), nem está rodando em torno do aparelho (como o proletário roda a máquina). Está dentro do aparelho, engolido por sua gula. Passa a ser prolongamento automático do seu gatilho. Fotografa automaticamente.

Quem contemplar o álbum de um fotógrafo amador, estará vendo a memória de um aparelho, não a de um homem. Uma viagem para a Itália, documentada fotograficamente, não registra as vivências, os conhecimentos, os valores do viajante. Registra os lugares onde o aparelho seduziu para apertar o gatilho. [...] Quanto mais eficientes se tornam os modelos dos aparelhos, tanto melhor atestarão os álbuns, a vitória do aparelho sobre o homem.

A fotografia da guerra no Líbano em jornal mostra uma cena. Exige que nosso olhar a escrutine pelo método já discutido anteriormente. O olhar vai estabelecendo relações específicas entre os elementos da fotografia. Não serão relações históricas de causa e efeito, mas relações mágicas do eterno retorno. Por certo, o artigo que a fotografia ilustra no jornal consiste de conceitos que significam as causas e os efeitos de tal guerra. Porém o artigo é lido em função da fotografia, como que através dela. Não é o artigo que "explica" a fotografia, mas é a fotografia que "ilustra" o artigo. Este só é texto no curioso sentido de ser pré-texto da fotografia. Tal inversão da relação "texto-imagem" caracteriza a pós indústria, fim de todo historicismo.

No curso da História, os textos explicavam as imagens, desmitizavam-nas. Doravante, as imagens ilustram os textos, remitizando-os. Os capitéis românticos serviam aos textos bíblicos com o fim de desmagicizá-los. Os artigos de jornal servem às fotografias para serem remagicizados. No curso da História, as imagens eram subservientes, podia-se dispensá-las. Atualmente, os textos são subservientes e podem ser dispensados.

A fotografia está sendo manipulada como em ritual de magia. No fundo, não somos nós que a manipulamos, é ela que nos manipula. E da seguinte forma: a cena fotográfica da guerra no Líbano consiste de elementos que se relacionam significativamente. No sentido temporal, um elemento rpecede outro e pode suceder ao precedente. No sentido de superfície, um elemento dá significado a outro e recebe significado de outro. Destarte, a superfície da imagem passa a ser significativa, carregada de valores. Está plena de deuses. Mostra o que é "bom" e o que é "mau": os tanques são "maus"; as crianças são "boas"; Beirute em chamas é "infernal", os médicos de uniforme branco são "anjos". A fotografia é hierofania: o sacro nela transparece. E o que vale para esta fotografia relativa ao Líbano, vale para todas as demais. São, todas elas, imagens de forças inefáveis que giram em torna da imagem, conferindo-lhe sabor indefinível. Imagens de forças ocultas que giram magicamente. Fascinam seu receptor, sem que este saiba o que o fascina.

O receptor [...] está sob a influência do fascínio mágico da fotografia. Não quer explicação sobre o que viu, apenas confirmação. Está farto de explicações de todo tipo. Explicações nada adiantam se comparadas com o que se vê. Não quer saber sobre as causas ou efeitos da cena, porque é esta e não o artigo que transmite a realidade.

Exemplo: em fotografia de cartaz mostrando eccova de dente, o receptor reconhece o poder da cárie. Sabe que é força nefasta e compra a escova a fim de passá-la ritualmente sobre os dentes [...] o leitor comprará a escova. Está programado para tanto.

Se o funcionário estiver consciente das causas e efeitos do seu funcionamento, jamais funcionará corretamente. Se tivesse consciência histórica, como poderia comprar escovas de dente, formas opinião sobre o Líbano ou simplesmente ir ao escritório, arquivar papeladas, participar de reuniões, gozar férias, aposentar-se? A repressão da consciência histórica é indispensável para o funcionamento. As fotografias servem para reprimi-la.

No entanto, a consciência crítica pode ainda ser mobilizada. Nela, a magia programada nas fotografias torna-se transparente. A fotografia da cena libanesa em jornal não mais revelará forças ocultas do tipo "judaísmo" ou "terrorismo", mas mostrará os programas do jornal e do partido político que o programa, assim como o programa do aparelho político que programa o partido. Ficará evidente que "judaísmo" e "terrorismo" etc., constam de tais programas. A fotografia da escova de dente não mais revelará forças ocultas do tipo "cárie", mas mostrará o programa das agências de publicidade e o programa do governo. Ficará evidente que "cárie" consta de tais programas.

[...]Na realidade, são elas que manipulam o receptor para comportamento ritual, em proveito dos aparelhos. Reprimem sua consciência histórica e desviam a sua faculdade crítica para que a estupidez absurda do funcionamento não seja conscientizada. Assim, as fotografias vão formando círculo mágico em torno da sociedade, o universo das fotografias. Contemplar tal universo visando quebrar o círculo seria emancipar a sociedade do absurdo.

8 - O universo fotográfico

O universo fotográfico está em constante flutuação e uma fotografia é constantemente substituída por outra. [...] Não é a determinadas fotografias, mas justamente à alteração constante de fotografias que estamos habituados. Trata-se de novo hábito: o universo fotográfico nos habitua ao "progresso". Se de repente, os mesmos jornais aparecessem diariamente em nossas salas ou os mesmos cartazes semanalmente sobre os muros, aí sim, ficaríamos comovidos. O "progresso" se tornou ordinário e costumeiro; a informação e a aventura seriam a paralisação e o repouso.

Quanto à sua estrutura profunda, o universo fotográfico é um mosaico. Muda constantemente de aspecto e cor, como mudaria um mosaico onde as pedrinhas seriam constantemente substituídas por outras. [...] funcionando como quebra-cabeças, como jogo de permutação entre elementos claros e distintos.

[...] o gesto de fotografar, o qual revelou-se composto de pequenos saltos.Se analisarmos a estrutura quântica do universo fotográfico, encontraremos explicação mais profunda para o caráter saltitante de tudo que se refere à fotografia. Descobriremos que tal estrutura é típica de todo movimento do aparelho.

Trata-se de aparelhos para "pensar" cartesianamente. Segundo o modelo cartesiano, o pensamento é um colar de pérolas claras e distintas. Tais pérolas são os conceitos e pensar é permutar conceitos segundo as regras do fio. Pensar é manipular ábaco de conceitos. Todo conceito claro e distinto significa um ponto lá fora no mundo das coisas extensas (res extensa).  Se conseguíssemos adequar a cada ponto lá fora um conceito da coisa pensante, seríamos oniscientes. E também onipotentes, porque, ao permutarmos os conceitos, poderíamos simbolicamente permutar os pontos lá fora. Infelizmente, tal onisciência e onipotência não são possíveis, porque a estrutura da coisa pensante não se adequa à da coisa extensa. Nesta os pontos se confundem uns com os outros, con-crescem, fazendo com que a coisa extensa concreta. Na coisa pensante, há intervalos entre os conceitos claros e distintos. A maioria dos pontos escapa por tais intervalos. Descartes esperava superar esta dificuldade graças à geometria analítica e à ajuda divina. Não conseguiu fazê-lo. Os computadores, estes sim, conseguem o feito, graças a duas estratégias: reduzem os conceitos cartesianos a dois: "0" e "'" e "pensam" em bits, binariamente; depois, programam universos adequados a esse tipo de pensamento. Em tais universos, os computadores passaram a ser, de fato, oniscientes e onipotentes. O universo fotográfico é um exemplo. A cada fotografia individual, corresponde um conceito claro e distinto no programa do aparelho produtor desse universo.  Aparelho produtor que não é necessariamente um computador, mas que funciona segundo a mesma lógica.

Eis como se produz o universo fotográfico: homens constroem aparelhos segundo modelos cartesianos; em seguida, os alimentam com conceitos claros e distintos (atualmente existem aparelhos "de segunda" geração que podem ser construídos e alimentados por outros aparelhos e os homens vão desaparecendo para o além do horizonte); os aparelhos passam a permutas os conceitos claros e distintos inscritos no seu programa; fazem-no ao acaso, automaticamente, "pensam" idiotamente; as permutações que assim se formam são transcodificadas em imagens e fotografias; a cada fotografia, corresponderá determinada permutação de conceitos no programa do aparelho, e a cada permutação corresponderá uma determinada fotografia; haverá relação biunívoca entre o programa do aparelho e o universo da fotografia; o aparelho será onisciente e onipotente em tal universo. Mas terá pago um preço: os vetores de significação se inverteram. Não é mais o pensamento que significará a coisa extensa; é a fotografia que significa um "pensamento". Resta a pergunta: que significa o pensamento programado.

[...] o conceito fundamental de programa: jogo de permutação entre elementos claros e distintos.
Tal jogo obedece ao caso, que por sua vez, vai se tornar necessidade. Exemplo extremamente simples de programa é um jogo de dados: permuta os elementos "1" a "6" ao acaso. Todo lance individual é imprevisível. Mas a longo prazo, o "1" será realizado em cada sexto lance. Necessariamente. Isto é: todas as virtualidades inscritas no programa, embora se realizem ao acaso, acabarão se realizando necessariamente. Se guerra atômica estiver inscrita em determinados programas de determinados aparelhos, será realidade, necessariamente, embora aconteça ao acaso. É neste sentido sub-humano cretino que os aparelhos são oniscientes e onipotentes em seus universos.

O universo fotográfico, no estágio atual, é realização casual de algumas das virtualidades programadas em aparelhos. Outras virtualidades se realizarão ao acaso, no futuro. E tudo se dará necessariamente. O universo fotográfico muda constantemente, porque cada uma das situações corresponde a determinado lance de um jogo cego. Cada situação do universo fotográfico significa determinada permutação dos elementos inscritos no programa dos aparelhos, o que permite definirmos o universo das fotografias: 1. surgiu de um jogo programático e significa um lance de tal jogo; 2. o jogo não obedece a nenhuma estratégia deliberada; 3. o universo é composto de imagens claras e distintas, as quais ão significam, como se pretende, "situações lá fora no mundo", mas determinadas permutações de elementos do programa; 4. tais imagens programam magicamente a sociedade para um comportamento em função do jogo dos aparelhos. Resumindo: o universo fotográfico é um dos meios do aparelho para transformar homens em funcionários, em pedras do seu jogo absurdo.

Estar no universo fotográfico implica viver, conhecer, valorar  e agir em função de fotografias. Isto é: existir em mundo-mosaico. Vivenciar passa a ser recombinar constantemente experiências vividas através de fotografias. Conhecer passa a ser elaborar colagens fotográficas para se ter "visão de mundo". Valorar passa a ser escolher determinadas fotografias como modelos de comportamento, recusando outras. Agir passa a ser comportar-se de acordo com a escolha. Tal forma de existência passa a ser quanticamente analisável. Toda experiência, todo conhecimento, todo valor, toda ação consiste de bits definíveis. Trata-se de existência robotizada, cuja liberdade de opinião, de escolha e de ação torna-se observável se confrontada com os robôs mais aperfeiçoados.

A hipótese aqui defendida é esta: a invenção do aparelho fotográfico é o ponto a partir do qual a existência humana vai abandonando a estrutura do deslizamento linear, próprio dos textos, para assumir a estrutura de altear quântico, próprio dos aparelhos. O aparelho fotográfico, enquanto protótipo, e o patriarca de todos os aparelhos. Portanto, o aparelho fotográfico é a fonte da robotização da vida em todos os seus aspectos, desde os gestos exteriorizados ao mais íntimo dos pensamentos, desejos e sentimentos.

O universo fotográfico é produto do aparelho fotográfico, que por sua vez, é produto de outros aparelhos. Tais aparelhos são multiformes: industriais, publicitários, econômicos, políticos, administrativos. Cada qual funciona automaticamente. E suas funções estão ciberneticamente coordenadas a todas as demais. O input de cada um deles é alimentado por outro aparelho; o output de todo aparelho alimenta outro. Os aparelhos se programam mutuamente em hierarquia envelopante. Trata-se, nesse complexo de aparelhos, de caixa preta composta de caixas pretas. Um supercomplexo de produção humana. Produzido no decorrer dos séculos XIX e XX, pelo homem. E homens continuam a produzi-lo. De maneira que parece óbvio como criticar tudo isso: basta descobrir as intenções humanas que levaram a produção de aparelhos.

Trata-se de um método de crítica sedutor, por duas razões diferentes. Em primeiro lugar, dispensa o crítico de mergulhar no interior das caixas pretas. Basta concentrar-se sobre o input que é a decisão humana. Em segundo lugar, o método pode recorrer a critérios já bem elaborados, por exemplo, os marxistas. Eis o resultado de tal crítica: os aparelhos foram inventados para emancipar o homem da necessidade do trabalho; trabalham automaticamente para ele. O aparelho fotográfico produz imagens automaticamente, e o homem não mais precisa movimentar pincéis esforçando-se para vencer a resistência do mundo objetivo. Simultaneamente, os aparelhos emancipam o homem para o jogo. Ao invés de movimentar o pincel, o fotógrafo pode brincar com o aparelho. No entanto, certos homens se apoderam dos aparelhos desviando a intenção de seus inventores em seu próprio proveito. Atualmente os aparelhos obedecem a decisões de seus proprietários e alienam a sociedade. Quem afirmar que não há intenção dos proprietários, por trás dos aparelhos, está sendo vítima dessa alienação e colabora objetivamente com os proprietários dos aparelhos.

Quanto ao universo fotográfico como um todo, estará decifrado somente quando descobrirmos a que interesses inconfessos serve.

Infelizmente, essa crítica "clássica" jamais ferirá o essencial: a automaticidade dos aparelhos. Justamente o ponto que merece ser criticado. Não há dúvida que os aparelhos foram originalmente produzidos por homens. Revelaram portanto, sob análise, intenções humanas e interesses humanos, como acontece com todo produto da cultura. Que intenção humana e que interesse humano são esses? Precisamente chegar a algo que dispensa futuras intenções humanas e futuras intervenções humanas. O propósito por trás dos aparelhos é torná-los independentes do homem. Essa autonomia resulta, segundo a própria intenção, em situação onde o homem é eliminado. Mas eliminado por método que não foi previsto pelos inventores dos aparelhos, esse jogo casual com elementos, passou a ser de tal forma rico e rápido, que ultrapassa a competência humana.

Nenhum homem pode mais controlar o jogo. E quem dele participar, longe de o controlar, será por ele controlado. A autonomia dos aparelhos levou à inversão de sua relação com os homens. Estes, sem exceção, funcionam em função dos aparelhos.

Doravante, nenhuma decisão humana funciona. Todas as decisões passam a ser funcionais, isto é, tomadas ao acaso, sem propósito deliberado. Os conceitos programados nos aparelhos, que originalmente significavam intenções humanas, não mais as significam. Passaram a ser auto-significantes. São vazios os símbolos com os quais joga o aparelho. Este não funciona em função de intenção deliberada, mas automaticamente, girando em ponto morto. E todas as virtualidades inscritas e seu programa, inclusive a de produzir outros aparelhos e a de autodestruir-se, se realizarão necessariamente.

[...] de forma nenhuma são (os aparelhos) super-humanas, Pelo contrário, são pálidas simulações do pensamento humano. O dever de toda crítica dos aparelhos é mostrar a cretinice infra-humana dos aparelhos. Mostrar que se trata de vassouras invocadas por aprendiz de feiticeiro que traz, automaticamente, água até afogar a humanidade, e que se multiplicam automaticamente. Seu intuito deve ser exorcizar essas vassouras, recolocando-as naquele canto ao qual pertencem, conforme a intenção inicial humana. Graças a críticas deste tipo é que podemos esperar transcender o totalitarismo robotizante dos aparelhos que está em vias de se preparar. Não será negando a automaticidade dos aparelhos, mas a encarando, que podemos esperar a retomada do poder sobre os aparelhos.

[...] como as fotografas são cenas simbólicas, elas programam a sociedade para um comportamento mágico em função do jogo. Conferem significado mágico à vida da sociedade, tudo se passa automaticamente, e não serve a nenhum interesse humano. Contra essa automação estúpida, lutam determinados fotógrafos, ao procurarem inserir suas intenções humanas no jogo. Os aparelhos, por sua vez, recuperar automaticamente tais esforços em proveito de seu funcionamento. O dever de uma filosofia da fotografia seria o de desmascarar esse jogo.

9 - A urgência de uma filosofia da fotografia

definição de fotografia: imagem produzida e distribuída por aparelhos segundo um programa, a fim de informar receptores. [...] ampliar a definição da fotografia da seguinte maneira: imagem produzida e distribuída automaticamente no decorrer de um jogo programado, que se dá ao acaso que se torna necessidade, cuja informação simbólica, em sua superfície, programa o receptor para um comportamento mágico.

A definição tem curiosa vantagem: exclui o homem enquanto fator ativo e livre. Portanto, é definição inaceitável. Deve ser contestada, porque a contestação é a mola propulsora de todo pensar filosófico.

Chão da circularidade. Imagens são superfícies sobre as quais circula o olhar. Aparelhos são brinquedos que funcionam com movimentos eternamente repetidos. Programas são sistemas que recombinam constantemente os mesmos elementos. Informação  é epiciclo negativamente entrópico que deverá voltar à entropia da qual surgiu. Quando refletimos sobre os quatro conceitos-chave, estamos no chão do eterno retorno. Abandonamos a reta, onde nada se repete, chão da história, da causa e efeito.

Os conceitos-chaves sustentadores da fotografia já estão espontaneamente encrustados em nosso pensar. Darei como único exemplo, a cosmologia atual.

A cada instante, o universo é situação surgida ao acaso, que levará necessariamente à morte "térmica", de forma que o universo é aparelho produtor de caos. A nossa própria cosmologia não passa imagem desse aparelho. Em consequência, tal cosmovisão deve descartar toda explicação causal e recorrer a explicações formais, funcionais. Os quatro conceitos-chave da fotografia são também os da cosmologia.

A tese não é muito nova. Sempre se supôs que os instrumentos são modelos de pensamento. O homem os inventa, tendo por modelo seu próprio corpo. Esquece-se depois do modelo, "aliena-se", e vai tomar o instrumento como modelo do mundo, de si próprio e da sociedade. Exemplo clássico dessa alienação é o século XVIII. O homem inventou as máquinas, tendo por modelo seu próprio corpo, depois tomou as máquinas como modelo do mundo, de si próprio e da sociedade. Mecanismo. No século XVIII, portanto, uma filosofia da máquina teria sido a crítica de toda a ciência, toda política, toda psicologia, toda arte. Atualmente, uma filosofia da fotografia deve ser outro tanto. Crítica do funcionalismo.

Reformulemos o problema: constata-se em nosso entorno, como os aparelhos se preparam a programar, com automação estúpida, as nossas vidas; como o trabalho está sendo assumido por máquinas automáticas, e como os homens vão sendo empurrados rumo ao setor terciário, onde brincam com símbolos vazios; como o interesse dos homens vai se transferindo do mundo objetivo para o mundo simbólico das informações: sociedade informática programada; como o pensamento, o desejo e o sentimento vão adquirindo caráter de jogo em mosaico, caráter robotizado; como o viver passa a alimentar aparelhos e por eles ser alimentado. O clima de absurdo se torna palpável. Aonde, pois, o espaço para a liberdade?

[...] seu pensamento, desejo e sentimento tem caráter fotográfico, isto é, de mosaico, caráter robotizado; alimentam aparelhos e são por eles alimentados.

Várias respostas apareceram: 1. o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser enganado; 2. os programas dos aparelhos permitem introdução de elementos humanos não-previstos; 3. as informações produzidas e distribuídas por aparelhos podem ser desviadas da intenção dos aparelhos e submetidas a intenções humanas; 4. os aparelhos são desprezíveis. Tais respostas, e outras possíveis, são redutíveis a uma: liberdade é jogar contra o aparelho. E isto é possível.

E quem lê história da fotografia (escrita por fotógrafo ou crítico), verifica que os fotógrafos crêem dispor de um novo instrumento para continuar agindo historicamente. Crêem que, ao lado da história da arte, da ciência e da política, há mais história: a da fotografia. Os fotógrafos são inconscientes da sua práxis. A revolução pós-industrial, tal como se manifesta, pela primeira vez no aparelho fotográfico, passou despercebida pelos fotógrafos e pela maioria dos críticos de fotografia. Nadam eles na pós-indústria, inconscientemente.

(Os fotógrafos experimentais) Tentam, conscientemente, obrigar o aparelho a produzir imagem informativa que não está em seu programa. Sabem que sua práxis é estratégia dirigida contra o aparelho. Mesmo sabendo, contudo, não se dão conta do alcance de sua práxis. Não sabem que estão tentando dar resposta, por sua práxis, ao problema da liberdade em contexto dominado por aparelhos, problema que é, precisamente, tentar opor-se.

Urge uma filosofia da fotografia para que a práxis fotográfica seja conscientizada. A conscientização de tal práxis é necessária porque, sem ela, jamais captaremos as aberturas para a liberdade na vida do funcionário dos aparelhos. Em outros termos: a filosofia da fotografia é necessária porque é reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programado por aparelhos. 

planos para o dia

nunca quis não parar de pensar em você
desde o começo eu sabia que ia enjoar.

depois eu só queria continuar transando.
//nossa//

"homem galinha que não consegue segurar a piroca/o que tem no meio das pernas."

argumentação feminina: lógica da acusação. SE VOCÊ SE INTIMIDA É PORQUE A PROVOCAÇÃO VINGOU, E ISSO SIGNIFICA QUE VOCÊ SE IDENTIFICOU COM A OFENSA.

resposta ideal: "mas eu não sou!!"

resposta errada:  mas eu seguro muito bem. você que não entende (se a pessoa não entendeu é porque eu não soube explicar)

SE VOCÊ CAIU DA ESCADA E SENTE QUE NÃO CONSEGUIU FALAR TUDO O QUE PRECISAVA DIZER SOBRE UM ASSUNTO, APENAS REPENSE TUDO DE NOVO. SE FOR NECESSÁRIO, O ASSUNTO VAI VIR À TONA DE NOVO E AÍ VOCÊ, MAIS SÁBIDO AGORA, VAI CONSEGUIR DIZER TUDO.

continuação da resposta certa:  a real é que eu gosto de olhar para você. simplesmente gosto.  >>elogia respondendo << STRONG PERSUADER

e agora você completa: não sou galinha. saí de um relacionamento duradouro de 3 anos e agora tô explorando.
sou respeitador. querer transar não me faz um cabrunco. o sexo, o carinho e o afeto são um verdadeiro diálogo de almas. se você deixasse eu me apaixonar por você você seria muito gostoso.

minha estratégia: se formar devagar, mas viver de boa, sem pressão.
reformulando ela: se é assim então pelo menos consiga um DAMN job (iniciação, estágio)
minha desculpa: a situação das bolsas e de estágio para ciências sociais não tá fácil. sou responsável e estudo o melhor que eu posso. estou na espera para dar o bote.

"e o que tá faltando?????"
coragem para superar o medo e sair no mundo -> arrumar um emprego e me expor
INICIAÇÃO CIENTÍFICA, pois ler seria meu trabalho. quando eu leio estou trabalhando.

yu, tá faltando eu tirar uma casquinha de você antes de as férias acabarem. -> choca e propõe de forma humorística uma solução.

pois não sou da safra de filho pródigo que recebe dinheiro da mãe para curtir a vida. sou aquele que conquista a estabilidade trabalhando.

entendo minha mãe: ela quer que eu crie independência. devo isso a ela.

->>>> PENSAR sobre essas coisas durante o dia e ouvir blues e soul sobre entender que o relacionamento acabou.

exorcizar minha inveja e necessidade de chamar atenção

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O que teve em PG (cheguei no FDS, o Argentino já tinha ido embora..)

Teve passeio no Sol... -> pessoas no Sol

O céu estava azul e bonito...! foto da profundidade no céu

Teve muito amor -> Jéssica + HC (amor), jessica e gabriel (mais amor)

E muita fotografia também! -> diego tirando foto do gabriel passeando que nem uma monalisa

Teve compaixão. -> augusto aprovando foto do HC e jéssica.

Teve sensualidade masculina. -> eu e marcos,

Caipirinha -> gabriel matando o limão.

E churrasco -> churrasco

Quem foi pra água disse que se divertiu -> pessoal pulando

Foi divertido demais, e talz. -> pessoal de boa conversando

Mas teve gente que preferiu se manter seca. foto da yu

Lá na areia também estava divertido. -> alguma foto do diego! ou a dos grupos juntos...

O importante é que estavámos todos juntos - de alguma forma!

Mas quando a Lua apareceu... -> foto da Lua

E o dia começou a ficar escuro... -> foto da silhueta

NÃO TEVE TEMPO RUIM - PORQUE ESTÁVAMOS OUVINDO MAMONAS ASSASSINAS! -> Teve mamonas assassinas? Com cerveja!!!

e daí teve muito amor MESMO! HC + kimura + gabriel + marcos e jéssicaS (muitos amores)

na hora de ir embora eu fiquei assim -> foto de mim

sorte de quem pode ficar mais :(

Mas na real eu tava sentido saudades dos bebês em casa! -> FOTO DOS BEBÊS

começa nos 18s
olha como estou suave agora: fiz um rolê perfeito
com yu e daniel.
para amanhã estou convidado para o surubão madrugada adentro na casa do argentino.
vou de bike: meu êxtase e bem-estar:
ida e volta.
na ida compro um sakê pros menino brincarem
e na volta volto de bike para a ziriga dia 30 17h da tarde.
durante eu simplesmente não bebo!
PORQUE VOU NA ZIRIGA!!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O cheiro do seu cu

Você de quatro, rabão empinado.
Minha língua bem dentro de você.
Eu já sem fôlego, te saboreando por dentro.
E você com força pressiona ainda mais seu delicioso pompom
contra minha cara
Para me ter um centímetro mais no interior de você.
Vai-e-vem, balança para frente e para trás, um-dois, pof, aaaah!
(como se fosse possível eu adentrar mais um tantinho só...)

Respiro fundo e sinto
o cheirinho do seu cu
tão gostoso e tão próximo
da pontinha da minha língua
que eu pressiono com força
no centro do seu buraquinho cheiroso
E você geme e se contorce e contrai
seus músculos na pontinha da minha língua.

Nesse momento é como se fogos de artifícios brilhassem para nós.

minha amiga Isabela

Como a glândula pineal nas andorinhas
que dita o ritmo biológico de migrações
você foi o barômetro do relacionamento
sensível o suficiente para perceber
as alterações na atmosfera
e corajosa o suficiente para admitir
que a história precisava de um rompimento.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

você no auge da sua paixão era até fofo, cara. uma ingenuidade adolescente deliciosa e que não volta mais.

vocês foram felizes, sim, foram. não poderia ser diferente: ser jovem com ela era o máximo.

descobrindo sua paixão, olhando encantado para ela, e ela também assim, deixando você habitar os cabelos dela. e passavam a tarde a mirar um nos olhos do outro. era único e inédito e o suficiente para toda a vida, mas vocês pensaram que ia durar a vida toda... então o prazo de validade expirou sem vocês saberem nem bem por que nem como. o espelho que refletia dois quebrou e você olhou para frente e se viu sozinho com hematomas no rosto e olhos em lágrima.

eu agora vejo você como uma criança perdida num carrossel nostálgico e depressivo. você é pequeno, usa um bonézinho azul, tem em mãos um pirulito e chora de boca aberta pelo seu pai que te deixou ali sozinho, girando subindo e descendo montado nos cavalinhos. você desce do cavalo mas não ousa andar porque tem medo de enfrentar o escuro para além da grande praça circular do carrossel.

agora eu estou me aproximando, eu venho da luz, você ouve os passos ecoarem na madeira mas não sabe de onde eles vêm. quando chego do seu lado olho você de cima a baixo com desprezo e raiva. você engole o choro e estende os braços para cima para eu te pegar no colo mais uma vez e te tirar daquele lugar sombrio mas eu te desprezo.

agacho à sua altura, coloco as mãos no seu pescoço e te esgano até seu pescoço molezinho fazer pender para a esquerda sua cabeça de faces roxas inchadas.

seu defunto de criança nua eu deixo apodrecer a carne e levo na minha bagagem o seu esqueletinho branco e reluzente.

Comunicação telepática de corpos e linguagem corporal.

Vi uma loira de blusa rosa sentada no banco do metro a uns 5 metros de mim. Estava sentado do lado de um cara e suas pernas soltas e estendidas indicavam que estava relaxada.

Eu mais interessado numa japonesa gorda com blusão preto de moletom que lia algum livro com a foto de Mao Tsé-Tung na capa.

O metrô parou no Paraíso e subiu uma coroa de uns 40 anos com óculos escuros e mechas verdes no cabelo preto e curto. Tinha um relógio biteludo e prateado no punho direito com que segurava a barra de metal ao meu lado.

Eu quis sair do banco de idosos, levantei e fui parar no meio do corredor ao lado de um daqueles lunáticos magros de cabelos longos que lhes cobrem sensualmente trechos da face. Vestia uma camiseta branca suja em que se lia "i don't want to live forever". A 50 centímetros de mim ele se pendurava pelo baluarte do vagão e ficava suspenso a uns 5 centímetros do chão. Fazia movimentos como se estivesse suspenso em gravidade lunar. Parecia estar em viagem eterna de ácido.

Me senti confortável pois nesse momento era ele e não eu que estava atraindo os olhares dos homens e mulheres desinteressados que olham ansiosamente da tela do celular para a janela do vagão e o olhar passa lá fora por um prédio vazio cinza no horizonte e de volta ao interior do vagão frio e asséptico.

Depois que o lunático desceu eu me sentei ao lado da loira rosada, me aconcheguei no assento, peguei meu livro e passei a devorá-lo com os olhos. Jack Kerouac na minha mão.

Na São Bento entram duas mulheres uma mulata com a cabeça que parecia uma caixa d'água azul de 1000 litros e outra  sofrida e raquítica velha. A velha me perguntou se a estação Tietê tinha mudado o nome para Portuguesa-Tietê e eu disse que sim e apontei o letreiro em cima da porta a loira também olhou e eu disse "a estação Jardim São Paulo também mudou, agora é Jardim São Paulo-Airtom Senna" e as duas mulheres deram um sorriso que estava longe de ter significado "entendi".

Voltei para o livro. A loira voltou ao seu lugar feminino e imperturbável de completude.

lendo On the Road na minha mão.

Tiradentes. ela olha discretamente para o meu lado. relaxo e estendo a perna direta e cerco a loira no banco ao lado sentada.

Túnel. viro a cabeça para os lados, paro o olhar por 2 segundos e reparo o nariz pontiagudo que denuncia alguma ascendência italiana, e a linha fina e sinuosa do delineador em volta dos olhos dela. Tem de 17 a 21 anos.

Quando o vidro amplo e translúcido da janela recebia a luz no trem recém-saído do túnel ela joga com vontade os cabelos loiros para o meu lado do assento.Junto com o pó dos cabelos subiu também um delicioso perfume floral. Senti frio na barriga. Me aconcheguei mais ainda, fechei o livro e inspirei profundamente de olhos fechados olhando para frente. Chegamos no Armênia.

Ela ouvindo música e balançando a cabecinha. Olho mais uma vez ao lado e reparo a cor rosa do seu moletom com bolinhas por conta do uso prolongado ou descuido mesmo.

Penso em perguntar qualquer coisa mas me contento em apreciar aquela presença de uma forma mais telepática que de paquera. além do mais, ela estava usando fone de ouvido. Estamos um sentindo a presença do outro.

O que faz um homem é a gravata, e ela começa a se ajeitar no banco, me toca nos ombros, dá um abraço em si mesma, e olho próxima das minhas costelas sua mão direita com unhas roídas e dedos magros.

Tietê. a velha desceu e eu nem percebi.

Carandiru. Falar sobre o que? sobre o tempo? O ideal seria perguntar o nome, e saber onde vai descer, e acompanhar conversando até.... e me perco em devaneios. Inspiro mais uma vez aquela fragrância de fascínio, e o céu nublado como é em São Paulo. Aproveito os últimos momentos dessa companhia perfumada e aconchegante.

Ela literalmente me dá uma cotovelada.  Meu coração bate intensamente e sinto meu pau despertando. Mas não vai ser hoje que vou agir, a lição de hoje é a) atração e comunicação de corpos; b) linguagem corporal.

Santana. Ela se levanta e posta-se diante da porta na minha frente. É mais magrinha e menor do que eu pensava. Vira e olha por cima de mim, ela na minha frente, eu olhando com admiração de cima abaixo e de baixo acima, nossos olhares se cruzam, eu relaxado e satisfeito, ela convicta e absoluta, porta abre e ela vai embora.

Deslizo no banco, coloco o all-star branco no banco de idoso azul celeste e leio o livro de Jack Keuroac.


"Pelo contrário, o nervoso encontra obstáculos no seu excesso de atividade psíquica. A ideia a realizar toma para ele proporções enormes, os resultados que ela promete exaltam-nos; parece-lhe, em pouco tempo, obter a realização de tudo.
Esta grande emoção provocada pela ideia causa-lhe um enfraquecimento nervoso; vem, então, a idéia dos obstáculos, das lutas a sustentar, e o fim a alcançar fica no tinteiro. Se, porém, em vez de deter-se a considerar os resultados possíveis, o nervoso reagisse contra as suas tendências mentais por um pequeno exercício de movimento, cortaria num momento as cabeças da hidra mental que nele tenta desenvolver-se"

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Minha ex-namorada Isabela #4

Agonia da alma é não poder tocar,
mas para sentir tenho muitos neurônios
e uma mão masculina que você adora.

De olhos fechados falando ao seu ouvido
desabrocho sua flor úmida que me acolhe.
Nossas almas contentes elevam-se juntas
àquele nosso conhecido espaço de completude.
Onde as águas sexuais embebem nossos corpos.
E o falo explorador da atraente vagina
conecta as almas que explodem em Fogo Divino.

Mas longe de você
o meu corpo:
pele morena de Sol;
carne dilacerada pelo asfalto;
músculos definidos pela dor;
sinto às vezes ser uma plataforma fútil
quando a mim falta seu toque e calor.

Afastado de você meu corpo cai no colchão
a alma desprende e paira acima
dobrando o Tempo, curvando o Espaço
às vezes aflita por não sei o quê...
à espera de não sei o quê...
fugindo de não sei o quê...
olhando atenta aos lados,
circula o Universo à procura de você.

Minha ex-namorada Isabela #3

A metáfora de amor como um barco
é iludida e fajuta.
Produz sentimento de abandono em quem fica
e a quem vai sobra angústia e culpa.

Prefiro agora repetir o ditado
"O bom filho à casa torna"
ou me permito criar este:
"A casa boa traz o filho de volta".
(Mas também não precisa nem ser assim
de voltar ou de ir...
o importante é acompanhar o outro, e sentir...)

Amar com as janelas abertas não deve ser difícil.
Basta vivermos uma relação madura e cicatrizada,
não tão jovem e nem ingênua,
pois prefiro a dor excruciante da verdade
ao desconforto da mentira que a princípio alivia
mas no fim explode como peido reprimido.

Como um homem-amigo que apóia a causa
não posso não desejar sua emancipação.

É mais real ter como amante uma mulher livre.
que vem e se entrega a mim por um punhado de dias,
e não um peso lânguido como grilhões no tornozelo.

Prefiro que
saia para brincar com seu vestido colorido
sob os raios de Sol que avivam a relva fresca
e esquentam a pele dos meninos e meninas,
girando de mãos dadas com todos eles
numa alegre ciranda por indomáveis caminhos;

a te ver olhando-os entristecida por trás do vidro da janela,
pensando se a grama sente macia ao pé descalço,
e supondo que quero ainda te controlar.

Não, não quero agora roubar sua liberdade,
quero apenas (como sempre quis)
que seja minha por inteira.

Minha ex-namorada Isabela #2

Quando minha mãe toca meus brincos para limpá-los
sinto dor e aflição.
E sabendo eu que tenho um falo,
penso em como deve ser nascer-se mulher
e receber sua lua todo mês,
e escolher alguém para que a penetre:
se entregar e sentir que aquele que rompe a rompe é o mesmo que a quer bem.

E sinto pena dos homens! Eles pensam demais na forma
guiados pela pornografia fetichista
pensam no sexo como um benefício,
simples meio para a obtenção daquilo apenas que interessa: o orgasmo.
Ignoram a sublime conexão alquímica que o sexo permite a duas pessoas.

Por isso sinto, Isabela,
que toda sua performance sexual, as nudes
e a forma como você expressava por mim seu desejo,
foram o melhor e mais sincero que uma mulher jamais me deu.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016


a carruagem dos deuses é
veículo multidimensional de luz
sua carcaça é o corpo físico humano
roda à energia vital
e tem como forma o campo eletromagnético do coração
estrela tetraédrica
que pulsa além da Matéria e da Mente
ponto de acesso do Espírito à quinta dimensão

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

é sorte sua, querida
que dedos meus sejam para acariciar
as vermelhas pétalas de carne da sua flor
e não para dedilhar cordas de guitarra elétrica.

Notas da identidade do caipira

A história do caipira remonta ao período das Bandeiras, em que o Branco Europeu colonizador penetrou pelo interior do território dos Estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Os mais famosos bandeirantes nasceram no que é hoje o estado de São Paulo. Foram em parte responsáveis pela conquista do interior e extensão dos limites de fronteira do Brasil para além do limite do Tratado de Tordesilhas. São Paulo, separada do litoral pela muralha da Serra do Mar, voltava-se para o sertão, cuja penetração era facilitada pela presença do Rio Tietê e de seus afluentes, que comunicavam os paulistas com o interior.

A vocação interiorana era motivada pelo interesse econômico de preação e venda dos indígenas como mão de obra para as fazendas de cana de açúcar que não contavam com mão de obra escrava negra o suficiente. Os padres jesuítas capturavam os índios para investigar se tinham alma e se poderiam ser considerados humanos. Os índios por sua vez se contentavam em desconfiar que aqueles brancos fossem divindades...

Embora não se possa falar de aculturação, pois o índio é criado a partir do reflexo do mundo imperecível dos Deuses, quando passava a viver muito tempo em povoados e vilas de brancos o índio adotou os novos costumes. O domínio quando prolongado causou substituição parcial da cultura nativa e produziu um tipo humano-misto: mestiço de bandeirante com índia, o caboclo ou mameluco.

Este tipo humano gerou em parte fazendeiros comerciais que se localizavam dentro da rota das cidades: São Paulo, Sorocaba, Paranaíba, Itu, Taubaté, e de outro lado originou o homem rural que à custa de seu isolamento na imensidão do sertão paulista conseguiu manter sua liberdade em relação à economia de mercado. Este é o caipira, o homem rural que embora simples e rústico era dono do fruto do seu trabalho.

O caipira fruía o lazer, e via na Igreja da vizinhança a oportunidade de se reunir com os distantes vizinhos que viviam dispersos nos campos verdes e férteis. Estes encontros periódicos superavam o isolamento habitual e possibilitavam as trocas. A terra era virgem, e a caça, abundante. Preferia a mandioca ao arroz europeu pois sua vida era rústica, e por vezes nômade. Mandioca era seu mantimento, milho era sua roça. Colhia o algodão com que tecia a camiseta e calça. Como o índio, o caipira vivia em equilíbrio com o meio físico. Sua familiaridade com a natureza o qualificava como um segmento de um vasto meio, ao mesmo tempo natural, social e sobrenatural. Tinha conhecimento das ervas boas contra asma, tosse e hemorragias.

Esta sociedade foi gradualmente sendo tomada pelas relações de mercado à medida que as terras antes livres passaram a ter propriedade. Cercas, trilhos e documentos grilados desde então passaram a funcionar como a linha de frente da violenta expansão capitalista contra a cultura. Expulso de sua própria terra o homem rural agora era obrigado a se adequar ao trabalho de sol-a-sol na terra do patrão. A cultura caipira, que não foi feita para o progresso, encontrou na mudança o seu fim.

O homem rústico encontra nas cidades a civilização. Nos centros urbanos os benefícios da Grande Sociedade Capitalista se chocavam com a origem rústica e inculta do caipira. As suas necessidades se sofisticam (fogão, televisão, geladeira, aluguel), o poder aquisitivo mantém-se baixo. Agora como um proletário o caipira de antes deve racionalizar o salário

Por dois momentos históricos passou São Paulo: como sociedade homogênea no que diz respeito ao atraso técnico e econômico, incluindo bandeirantes, índios, mamelucos e etc, depois quando a exportação de gêneros tropicais produziu diferenciação entre o urbano e rural e diferenciação de classes sociais. O segundo momento é aquele em que o caipira chega à cidade e é confrontado a essa sociedade já urbanizada, não apenas competindo na perversa corrida capitalista de ratos, mas iniciando sua carreira como que se tivesse perdido por alguns séculos o tiro de largada. Suas ocupações: servente de pedreiro, carpinteiro, vigilantes e motoristas: todos dentes da engrenagem que faz a cidade funcionar. Dissolvidas entre cidade e campo, periferias e condomínios, elite e massa, estão as famílias que vivem de acordo com diferentes padrões de vida: o ideal europeu de luxo e mais alta sofisticação técnica, num extremo; e no outro o caipira com lenço na cabeça e pés descalços, que dormia no chão.

A nossa atual história se passa num bairro de periferia paulistana onde vivem estas pessoas em toda a mistura e desigualdade que gestou a população brasileira. A reforma agrária ainda não aconteceu, a devastação das terras de índio e de preto no Brasil persistem. O agrobusiness e a cidade continuam atuando como a dupla número no quesito "destruição de culturas". A Babilônia ferve, o dinheiro flui e o sofrimento original de cada ser humano se soma à injustiça social. Onde em nome da usurpação da Democracia o policial dá tapa na cara para desmoralizar. Onde nas encostas de morros invadidos são construídas casas verticais com tijolos baianos visíveis e alaranjados. No final de semana a música toca alto nas esquinas e garagens, e o verão extrai suor da testa dos introvertidos que se isolam nos quartos quentes de pintura desbotada esperando que os pensamentos triturantes cessem.












como andar sem sair do lugar?
desenvolver velocidade sem sair do repouso?
pular alto e se manter suspenso no céu?
voar nas nuvens e não estar em sonho?