O complexo do amor
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Vivemos no estado liminar entre o Homo sapiens e o Homo demens. O primeiro é racional e sábio, o segundo, desmesurado e apaixonado.
Enquanto o primeiro abstém-se com prudência e temperança dos excessos, negando as ilusões de Maia pela prática do desapego e da renúncia, o Homo demens vive intensamente suas emoções, inclusive o ódio e a barbárie. Foi durante o século XVII que os iluministas tipificaram a emoção do amor como um excesso pertencente às manifestações da loucura.
Mas sem a "loucura" não há o impulso criativo, o fervor e a comunhão. A sabedoria brota do confronto dos opostos entre a racionalidade e a loucura. Afinal, uma vida racionalizada milimetricamente, em que a pessoa economiza tempo e quer viver o máximo possível, não se exalta, não se embriaga, não sai de casa quando chove e evita qualquer tipo de excessos pode também ser considerada uma vida de loucura.
O estado poético propicia participação, fraternização e amor.
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O amor consiste num complexo que se compõe pelos elementos corporais de desejo: o olhar, a boca, a língua e o som - e como tal existe em germe nos cães que lambem, macacos que catam piolho e até nas aves a se beijocarem com fascinantes beijinhos, mas também há um elemento mítico no amor, e este aparece quando o ser humano passa a criar através da linguagem as histórias de amor.
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O ser amado é sujeito de devoção e culto através de uma devoção que ocorre no âmbito da convivência privada, espécie de devoção que antes do século V em Atenas era direcionada apenas às figuras sagradas.
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O amor portanto aparece como dupla possessão: a primeira é vivida como o desejo bestial, enquanto a segundo corresponde a uma necessidade mítico-espiritual e não-carnal.
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O amor, assim como tudo o que está vivo, é submetido à lei da termodinâmica. "Morrer de vida e viver de morte" significa que as coisas perecem, e quanto à energia do amor esta máxima não é desmentida. O sentimento amoroso, entretanto, tem potencialmente a capacidade de se renovar perpetuamente como amor nascente. Isso é explicável porque, se, como a psicologia sugere, a verdadeira pessoa de um sujeito está viva e constantemente em re-criação, então o parceiro amoroso tem um universo inteiro para continuamente explorar. :)
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O amor é um mito que vale a pena perseguir; um risco que vale a pena correr. É uma delícia descobrir o outro e interpretar sua verdade, o que é diferente de interpretar o outro de uma perspectiva unilateral, exclusivamente pelos nossos olhos.
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A fonte de poesia
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A linguagem racional é empírica, prática, técnica e se ampara no significado denotativo das palavras para objetivar exatamente o que ela expressa.
A linguagem poética é conotativa, utiliza-se de analogias e metáforas.
O estado poético é produzido pela dança, canto, culto, cerimônias e, claro, pelo poema. :)
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Nas sociedades arcaicas a prosa e a poesia encontravam-se entrelaçadas: o trabalho era acompanhado de cantos e ritmos, e se o caçador encantava a caça antes de ir à mata, ele também utilizava flechas reais e estratégias empíricas.
No Ocidente, desde o período da Renascença (séculos XIV a XVII), a poesia foi separada da técnica e da ciência, sendo apartada do mito e relegada ao prazer e divertimento.
Foi no século XVIII que com o Romantismo aconteceu uma revolta poética contra o mundo utilitário burguês, entendido aqui como o mundo prosaico. Mais recentemente, a expansão do modo de vida monetarizado e cronometrado através do processo de globalização expandiu a influência da tecnoburocracia, o que pode ser chamado de hiperprosa.
No século XX, o Surrealismo representou a expansão da poesia para além do poema: a poesia extrai sua fonte da vida e do acaso. O Surrealismo mostrou que era a vida cotidiana que deveria ser desprosaizada. Assim, a própria política foi alvo das críticas poéticas:
"O poeta não precisa se fechar no território restrito e confinado dos jogos de palavras e símbolos. O poeta possui uma competência total, multidimensional, que concerne à humanidade e à política, mas não pode se deixar submeter à organização política. Sua mensagem política implica ultrapassar o político."
O político quer mudar o mundo, o poeta quer mudar a vida.
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A conjuntura atual é a seguinte: um mundo em que o mito do Ocidente civilizado caiu por terra, isto é, ficou evidente durante o século XX que o progresso não funcionou como a "salvação da Terra sem precisar subir aos céus", isto é, ficou claro que a história não é regida por leis, e que o progresso não é automático nem tampouco está garantido. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Diante das clarezas trazidas pela astrofísica e microfísica, a impressão que se tem é de que a poesia pode dialogar com a ciência. O mistério não foi dissolvido, mas agora sabemos mais sobre as galáxias colossais e o átomo infinitesimal. Os problemas filosóficos capitais "O que é o homem?" "Qual é o seu lugar?" "Qual é o seu destino?" persistem. Aqui na terra há plantas, pássaros e flores. E está é a fonte da poesia.
E seu fim? O fim da poesia é o de nos colocar em estado poético.