texto escrito em 2011/12 quando da minha idealização da ex-namorada.
A estrada estava deserta. Só seu caminhão na rodovia. Viajava rápido. Os pneus espirravam a água da estrada no acostamento coberto de musgo. A chuva forte já havia passado e agora só restava uma garoa enfraquecida igual a criança que se perde dos pais no shopping. Ao lado da estrada, imensas árvores se levantavam. Ele se sentia livre. Acendeu um Lucky Strike e expeliu a fumaça lentamente pela janela. Gostava de fumar particularmente no frio: a fumaça era mais densa. No rádio tocava Rambling Man dos The Alman Brothers Band. Era um homem sem destino certo, tentando ganhar a vida da melhor maneira possível. De um lado para o outro,sim! A rotina não existia em sua vida. A estrada era sua amiga. Uma amiga que não o entediava, sempre o apresentava a novos locais, a novos amigos, a novas histórias. Viajava, entregava cargas não importasse o clima e o prazo. Dormia num posto de gasolina na cabine do caminhão. Conversava com seus colegas de profissão. Lá ficava por algum tempo e quando se entediava rumava para outro lugar. Sim, finalmente se sentia livre! Estranhamente, dessa vez não sabia ao certo seu destino. Parece que só digiria, em frente, em busca de algum bom lugar que - não importa onde estivesse - ele encontraria e aproveitaria tudo o que ele poderia oferecer. Não importava,também, que não soubesse aonde ia. Toda aquela liberdade era maravilhosa e ele queria a aproveitar. Olhou para o banco do passageiro e ali estava sua garota. Ela dormia. Sua cabeça caía gentilmente para a esquerda. O vento que entrava pela janela semi-aberta balançava gentilmente como sopro de Orfeu a sua negra franja que escorria pela testa. Era tão delicada. Uma beleza frágil. Arrebatadora. Na verdade, na primeira vez que a viu - e ele ainda se lembra mesmo depois dos anos - a achou extremamente desvirtuosa. Vestia uma saia com listras verticais cinzas e brancas (isso reparou noutro dia quando passou uma manhã ensolarada ao seu lado,conversando e conhecendo-se um ao outro enquanto sentavam na grama depois de terem cabulado aula). À primeira vista,entretanto, era uma saia qualquer. Viu-a de muito longe. E entre as dezenas de garotas que estavam naquela calçada indo em direção aos portões da escola, o que o atraiu a atenção para ela não foi a saia, e sim uma meia 3/4 bege estilo francesa que vestia com sapatilhas vermelhas. Horrível ele pensou. Quem usa esse tipo de roupa para vir para a escola? O tempo passou e ali ela estava: dormindo ao seu lado enquanto o caminhão dele estava no meio do nada - isso o assustava um pouco na verdade, não sabia nem onde estava - sem destino certo, a estrada molhada, o vento com cheiro de relva e a fumaça do cigarro lentamente expelida. Estendeu a mão direita para tocá-la. Suas unhas não estavam pintadas, apesar de bem impecavelmente bem cuidadas. Ia tocá-la. Quase. Não conseguiu. De repente uma buzina começou a tocar. De trás vinha um grande caminhão. Buzinava sem parar. De forma rítmica. Parecia o som de um relógio despertando. Abriu os olhos. Rapidamente tomou consciência de quem era e onde estava.Virou-se para o lado, desligou o celular. Acordou triste,sim. O sonho foi bom. Acordar depois de sonhos bons era pior do que acordar de pesadelos. Nestes, fica-se feliz porque saiu de algum apuro. Nos sonhos bons, fica-se triste porque a vida nunca se iguala a eles, pensava. Levantou-se da cama e acendeu a luz.
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