domingo, 30 de outubro de 2016

trechos do conto "O professor de letras" (1894) de Anton Tchekov

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E ele mirava o corpo pequeno e esbelto da moça sentada sobre o garboso animal branco, a sua silhueta esguia, o seu chapéu alto, que não lhe caía nada bem e a envelhecia, Nikítin mirava com satisfação, com ternura, com encantamento, ouvia sem entender muito bem e pensava: "Dou minha palavra de honra, juro por Deus que não vou ficar acanhado e hoje mesmo vou me declarar a ela...".

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Sua carta começaria assim: "Minha querida ratinha...".
- Exatamente assim, "minha querida ratinha" - disse ele, e começou a rir.

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"Após o casamento, todos se aglomeraram em desordem em torno de mim e de Mánia, as pessoas expressavam seu contentamento sincero, davam os parabéns, desejavam felicidades. O general de brigada, um senhor de quase 70 anos, cumprimentou apenas Maniússia e lhe disse, com voz envelhecida, rangente e bem alta, que ecoou por toda a igreja:
"- Minha querida, espero que depois do casamento você permaneça a mesma rosa que é agora."

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Os dias mais felizes para Nikítin eram agora os domingos e os feriados, quando ele, da manhã à noite, ficava em casa. Nesses dias Nikítin tomava parte de uma vida ingênuo, mas extraordinariamente agradável, que lhe fazia lembrar os idílios pastorais. Observava sem cessar como sua Mánia, sensata e diligente, mantinha em ordem o lar, e ele mesmo, a fim de mostrar que não era supérfluo na casa, fazia alguma coisa inútil, por exemplo, rolava a charrete para fora do telheiro e a examinava minuciosamente. Às vezes, de brincadeira, Nikítin lhe guardava um corpo de leite; ela se assustava, pois seria algo irregular, mas ele, com um sorriso, a abraçava a dizer:

- "Pronto, pronto, eu estava só brincando, meu tesouro! Foi só brincadeira!"

[..]

Nikítin se deu conta de que, se os 12 rublos não lhe importavam, era porque não haviam custado nada a ele. Se fosse um trabalhador pobre, saberia o valor de cada copeque e não mostraria indiferença ao que ganhava ou perdia no jogo. Assim também a felicidade, raciocinou, lhe fora dada de graça, em troca de nada e, a rigor, era para ele um luxo tão grande quanto um remédio para alguém que não está doente; se ele, como a imensa maioria das pessoas, vivesse atormentado pela preocupação de ganhar o pão de cada dia, se tivesse de lutar pela vida, se as costas e o peito doessem de tanto trabalhar, esse jantar, essa residência aquecida e confortável e essa felicidade familiar seriam uma necessidade, o prêmio e o ornamento de sua vida; agora, havia nisso tudo um sentido estranho e obscuro.

- Puxa, como me sinto mal! - repetiu, compreendendo perfeitamente que esses pensamentos, por si só, já representavam um mau sinal.

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Nikítin deu-se conta de que sua felicidade terminara, provavelmente para sempre, e que, na casa de dois andares, sem estuque, a felicidade já era algo impossível. Nikítin pressentiu que a ilusão se havia exaurido e que havia começado uma vida nova, nervosa e consciente, a qual não se conformava com a paz e a felicidade pessoal.

No dia seguinte, domingo, foi à igreja da escola e se encontrou com o diretor e os colegas. Pareceu a Nikítin que todos só se ocupavam em dissimular cuidadosamente a ignorância e o descontentamento com a vida, e ele mesmo, para que não notassem sua inquietação, sorria com toda simpatia e falava futilidades. Depois, foi para a estação e viu um trem postal chegar e partir; foi agradável ficar sozinho e  não ter de conversar com ninguém.

[...]

e escreveu no seu diário: "Aonde eu vim parar, meu Deus? Estou cercado de vulgaridade por todos os lados. Gente enfadonha, vazia, potes de cerâmica com creme azedo, jarras com leite, baratas, mulheres tolas... Não há nada mais medonho, mais ultrajante, mais deprimente do que a vulgaridade. Fugir daqui, fugir hoje mesmo, senão vou ficar louco!".


"mano, resumi um conto de várias páginas em alguns trechos. dá uma estima. daquele livro de capa roxa que caiu na tua mão!!"

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