quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Na Avenida Paulista dia do comício

Na avenida paulista. Ele já havia subido a Rebouças pedalando e esperava no cruzamento com a frei caneca seu camarada chegar. Era dia de manifestação e o fluxo de pedestres estampava vermelho e preto na calçada e nas bandeiras. Ao seu lado o homem de barba branca curta e camisa social barata falava a uma japonesa com aparência de funcionária pública sobre "como os interesses capitalistas estão nos prejudicando". Ela ouvia com ambas as mãos no bolso". As nuvens densas estacionadas no céu cinza aniquilavam toda a esperança de paulistana de se ver um pôr-do-sol. "Que se dane", ele pensou. "Se o céu estivesse claro e e ensolarado não ia dar para ver nada porque os prédios já cobrem tudo mesmo..." Uma garoa tênue caía do alto como cuspes de algodão.  

-Já que a gente precisa trabalhar para sobreviver...o justo seria um trabalho que dignificasse o homem e construísse um mundo melhor.... - continuou militante sul-americano.

O verde do semáforo abriu e e ela passou em sua frente com uma camiseta preta do Led Zeppelin presa em laço com o umbigo ficasse à mostra. O shorts jeans claro caía bem mas não fazia dela uma gostosa. Por sua frente ela passou séria e decididamente, sem olhar para os lados. Levava o guarda-chuva preto à mão como quem se agarra a uma tábua de salvação. E sumiu por atrás da banca de jornal.

Ele a quis seguir. Contornou o grupo de mulheres negras de camiseta roxa, quase se chocou com uma criança que puxava o dedo do pai e apontava com a outra mão a barraca de sorvetes, pulou com entusiasmo o skate que vinha em sua direção escorrendo pela calçada de concreto lisa. Chegou de mansinho ao lado da rockeirinha, encadeou seus passos no ritmo dos dela e disse sorrindo:

- Oi, tudo bem? Fiquei muito atraído pela sua aparência. Te achei muito bonita. Meu nome é Danilo. Está com pressa? Tome um café comigo, por favor.

E foram. 

Ele lhe ofereceu companhia e uma conversa amigável. Ela concedeu que ele pudesse a ver de perto durante os minutos que conversavam lá dentro. Ela fazia cursinho, queria entrar na faculdade pública, morava no Paraíso da Linha Verde. Tomava café e bebia álcool. Não sabia o que era uma brisa de maconha, e nem tinha muita curiosidade também. Mas também ele conseguiria passar muito bem sem estas substância, se tivesse na barriga aquelas borboletas sempre voando. Disse a ela que estudava e estagiava. O cabelo dele, raspado e curto, indicava que "não tinha tempo para se preocupar com coisas como o "estilo". Estava mais preocupado com a durabilidade e conforto de suas roupas, e não em ostentar logotipos. 

Falou, e falou... falou de como Led Zeppelin em sua opinião tinha uma pegada muito sensual, e que os gemidos de Robert Plant eram e epítome da voz branca masculina no blues. Ah! Como esse bixano poderia ficar a tarde inteira conversando rock and roll quando se sentia à vontade... Mas entre os heróis da guitarra elétrica ele preferia Jeff Beck a Jimmy Page, e ela disse:

- Não conheço Jeff Beck.

- Tenho um CD em casa... poso te emprestar para a gente ouvir juntos. Você vai gostar, ele manipula muito o som com vários pedais de efeito. 

Ela havia entendido a mensagem e gostado da ideia. Gostou da ousadia do rapaz, e embora estivesse lisonjeada e de certa forma encabulada, conteve a inibição e falou em tom de repressão:

- Você é muito afoito... Olha só, já tem 45 minutos que estamos conversando aqui, meus amigos já estão para chegar. Vamos nos encontrar na estação de metro...

Mas ele logo trouxe o assunto de volta para o campo que ela também poderia participar:

- Você é muito bonita mesmo. Quando passou por mim, tão rápida e concentrada, fiquei tão intimidado quanto atraído. Mas eu queria te ver de perto, e conversar com você. Vejo agora como você é também interessante, pois conversamos sobre assuntos em comum. 

E com a mão de unhas aparadas e limpas tocou o queixo dela, e ela olhou para o lado em timidez, mas não afastou o rosto nem um centímetro. Ele comentou algo sobre "pele branca" e "olhos puxados" e arriscou um selinho.

Na mente dele já estava tudo encaminhado: adicionaria ela no WhatsApp, marcaria um encontro para ver alguma exposição gratuita e no final do dia sentariam numa pracinha e se conheceriam mais intimamente até ela pegar o metro de volta para casa. Ele daria um brinco para ela dizendo "achei esse brinco a sua cara".  Na semana seguinte ele receberia pelo celular fotos dela usando o brinco nas aula de Biologia. " Sua nuca parece tão cheirosa e esse brinco azul combina com seu tom de pele", ele diria. Eles sentiriam vontade de se encontrar mas suportariam com ansiedade até o fim de semana. Algumas semanas depois disso ela o convidaria para ir no apartamento onde morava com os pais. Numa quinta-feira de temperatura branda e céu cinzento já ao meio dia ela sairia da aula e não iria no Centro Cultural estudar, ia se encontrar como ele no metro e de mãos dadas andariam a calçada até chegar na portaria do prédio, onde subiriam ansiosos até o sétimo andar. No elevador mesmo eles se beijariam intensamente. 

Quarto íntimo ela quente cortina ao vento paredes claras ursinho de pelúcia perfume ela muito doce e molhada sensível e delicada clímax deitam-se ela agarrada nos braços dele ainda rígido cabeça no travesseiro e teto azul.

- Você tem que ir embora antes das 18h, meus pais vão chegar.
- Sem problemas - disse ele, malandro. Eu sumo sem deixar rastros, como se nada tivesse acontecido.

Ele agora estava aprendendo as capacidades da comunicação, sendo uma pessoa sociável mesmo, dizendo claro o suficiente para as pessoas entenderem a mensagem, mas selecionando as palavras para não parecer insensível. Estava no caminho de se tornar um forte persuasor.

Tudo isso estava pelos pensamentos dele enquanto ela falava contava sobre suas férias em Sorocaba... De um mal súbito ele pensou também em quanto tempo não demoraria para ele se sentir farto dos papos dela. Sim, ainda iria achá-la encantadora, mas ela ia começar a exigir mais do que ele poderia dar. E ela o laçaria e o enforcaria: ia querer mudá-lo. A magia oculta feminina que atrai e e demanda devoção, assim como uma rosa precisa ser regada todo dia para desabrochar. Ele pensou em como a mulher é tão conectada à terra, e recebe seu sangue todo mês. Naquele momento o feminino mostrou-se para ele como um grande segredo arcano incompreensível.

- ... é, então foi isso que aconteceu naquele dia... - concluiu acanhada diante do olhar vago que ele expressava para ela.  - Vou embora, xau, beijos. 

E foi... 

Ele pagou a conta do café e mergulhou na multidão de desconhecidos que agora ouviam parados o companheiro no carro de som dizer que "precisamos politizar o povo...para ele reconhecer que toda a riqueza dessa país é produzida pela classe trabalhadora, e que a classe trabalhadora tem que obter a riqueza que produziu".

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