sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Notas da identidade do caipira

A história do caipira remonta ao período das Bandeiras, em que o Branco Europeu colonizador penetrou pelo interior do território dos Estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Os mais famosos bandeirantes nasceram no que é hoje o estado de São Paulo. Foram em parte responsáveis pela conquista do interior e extensão dos limites de fronteira do Brasil para além do limite do Tratado de Tordesilhas. São Paulo, separada do litoral pela muralha da Serra do Mar, voltava-se para o sertão, cuja penetração era facilitada pela presença do Rio Tietê e de seus afluentes, que comunicavam os paulistas com o interior.

A vocação interiorana era motivada pelo interesse econômico de preação e venda dos indígenas como mão de obra para as fazendas de cana de açúcar que não contavam com mão de obra escrava negra o suficiente. Os padres jesuítas capturavam os índios para investigar se tinham alma e se poderiam ser considerados humanos. Os índios por sua vez se contentavam em desconfiar que aqueles brancos fossem divindades...

Embora não se possa falar de aculturação, pois o índio é criado a partir do reflexo do mundo imperecível dos Deuses, quando passava a viver muito tempo em povoados e vilas de brancos o índio adotou os novos costumes. O domínio quando prolongado causou substituição parcial da cultura nativa e produziu um tipo humano-misto: mestiço de bandeirante com índia, o caboclo ou mameluco.

Este tipo humano gerou em parte fazendeiros comerciais que se localizavam dentro da rota das cidades: São Paulo, Sorocaba, Paranaíba, Itu, Taubaté, e de outro lado originou o homem rural que à custa de seu isolamento na imensidão do sertão paulista conseguiu manter sua liberdade em relação à economia de mercado. Este é o caipira, o homem rural que embora simples e rústico era dono do fruto do seu trabalho.

O caipira fruía o lazer, e via na Igreja da vizinhança a oportunidade de se reunir com os distantes vizinhos que viviam dispersos nos campos verdes e férteis. Estes encontros periódicos superavam o isolamento habitual e possibilitavam as trocas. A terra era virgem, e a caça, abundante. Preferia a mandioca ao arroz europeu pois sua vida era rústica, e por vezes nômade. Mandioca era seu mantimento, milho era sua roça. Colhia o algodão com que tecia a camiseta e calça. Como o índio, o caipira vivia em equilíbrio com o meio físico. Sua familiaridade com a natureza o qualificava como um segmento de um vasto meio, ao mesmo tempo natural, social e sobrenatural. Tinha conhecimento das ervas boas contra asma, tosse e hemorragias.

Esta sociedade foi gradualmente sendo tomada pelas relações de mercado à medida que as terras antes livres passaram a ter propriedade. Cercas, trilhos e documentos grilados desde então passaram a funcionar como a linha de frente da violenta expansão capitalista contra a cultura. Expulso de sua própria terra o homem rural agora era obrigado a se adequar ao trabalho de sol-a-sol na terra do patrão. A cultura caipira, que não foi feita para o progresso, encontrou na mudança o seu fim.

O homem rústico encontra nas cidades a civilização. Nos centros urbanos os benefícios da Grande Sociedade Capitalista se chocavam com a origem rústica e inculta do caipira. As suas necessidades se sofisticam (fogão, televisão, geladeira, aluguel), o poder aquisitivo mantém-se baixo. Agora como um proletário o caipira de antes deve racionalizar o salário

Por dois momentos históricos passou São Paulo: como sociedade homogênea no que diz respeito ao atraso técnico e econômico, incluindo bandeirantes, índios, mamelucos e etc, depois quando a exportação de gêneros tropicais produziu diferenciação entre o urbano e rural e diferenciação de classes sociais. O segundo momento é aquele em que o caipira chega à cidade e é confrontado a essa sociedade já urbanizada, não apenas competindo na perversa corrida capitalista de ratos, mas iniciando sua carreira como que se tivesse perdido por alguns séculos o tiro de largada. Suas ocupações: servente de pedreiro, carpinteiro, vigilantes e motoristas: todos dentes da engrenagem que faz a cidade funcionar. Dissolvidas entre cidade e campo, periferias e condomínios, elite e massa, estão as famílias que vivem de acordo com diferentes padrões de vida: o ideal europeu de luxo e mais alta sofisticação técnica, num extremo; e no outro o caipira com lenço na cabeça e pés descalços, que dormia no chão.

A nossa atual história se passa num bairro de periferia paulistana onde vivem estas pessoas em toda a mistura e desigualdade que gestou a população brasileira. A reforma agrária ainda não aconteceu, a devastação das terras de índio e de preto no Brasil persistem. O agrobusiness e a cidade continuam atuando como a dupla número no quesito "destruição de culturas". A Babilônia ferve, o dinheiro flui e o sofrimento original de cada ser humano se soma à injustiça social. Onde em nome da usurpação da Democracia o policial dá tapa na cara para desmoralizar. Onde nas encostas de morros invadidos são construídas casas verticais com tijolos baianos visíveis e alaranjados. No final de semana a música toca alto nas esquinas e garagens, e o verão extrai suor da testa dos introvertidos que se isolam nos quartos quentes de pintura desbotada esperando que os pensamentos triturantes cessem.












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