segunda-feira, 30 de maio de 2016

A vacuidade radiante, ou a natureza mágica e onírica que têm todas as coisas.

Desenvolvimento e purificação da percepção

A realidade como a conhecemos - sólida, fixa e estável - é uma ilusão. Nisto não se faz distinção: tanto a vigília quanto o sonho são irreais.

A vigília e o sonho estão em um mesmo continuum.

O mundo se assemelha ao reflexo num espelho, à lua na água.

Desde o momento de sua aparição, a natureza está livre de elaboração. A causalidade de surgimento e interrompimento aparecem como um sonho, como Maia, uma ilusão óptica que desvela a irrealidade e insustentabilidade do mundo.

Método para avançar

O discípulo deve pensar, a todo momento: "Agora é meio-dia, agora estou atravessando o pátio, agora me encontro com o mestre", e ao mesmo tempo deve pensar que o meio-dia, o pátio e o superior são irreais, são tão irreais como ele próprio e seus pensamentos.

Devemos alcançar a compreensão de que o mundo é uma aparição.

Como prática principal, medita da seguinte maneira:

O mundo exterior, suas montanhas e vales, pessoas e cidades e seres vivos,
compostos de terra, água, ar, fogo e espaço, todas as formas, sons, odores, sabores e sensações
os cincos objetos sensoriais e o mundo interior da mente-corpo e sua consciência sensorial,
 toda a experiência devem ser atendidos continuamente como um sonho.

Objetivo. Fundamento constante e real

O aspecto objetivo é refutado, e o sujeito retira-se quando a mente se aproxima das situações "como se fossem um sonho", sem poder encontrar algo substancial ao qual se aderir, então se "submerge em um espaço todopenetrante como o céu.... Desprovido de toda atividade mental compulsiva, emerge como espontânea e simples qualidade vazia."

A mente volta-se como o espaço em toda sua vastidão e vacuidade. Ao descobrir que estamos sonhando podemos viajar imediatamente a paraísos da mente.

Ontologia

Os fenômenos não têm existência verdadeira mas aparecem a todas as pessoas. Ver as aparições como mágicas, e assim abandonar o apego à existência como real, então, oferece a habilidade de alcançar a liberação. A delícia do espaço livre que conhece o grande espetáculo da existência sem formar nenhuma relação objetificante. Livre da alucinação de crer em sua realidade.

Caminho

Para estabelecer este delicioso modo de percepção, no qual nada se cristaliza, nada se coagula - o modo da contemplação pura, é sumariamente útil repetirmos todos os dias cada vez que descobrimos que estamos nos enrolando com uma situação, que identificamos um fenômeno ou um conceito no qual simplesmente cremos em sua solidez e irreversibilidade das coisas: "isto é um sonho". E que alívio que será!

É assim: todos os fenômenos são inexistentes, mas aparentam existir e são estabelecidos como várias coisas.

O sonho e a lucidez

Nossa experiência desperta é tão ilusória e fantástica como nossos sonhos. Esta é a perspectiva da vacuidade. O que significa que "os fenômenos não existem por sua própria natureza, nem subjetiva nem objetivamente...existem interdependentemente". Nos sonhos isto nos está muito claro, uma montanha, uma pessoa, um evento que acontece no "drama onírico" é claramente dependente de nossa imaginação, de nossas recordações, de eventos que vivemos anteriormente. Têm uma existência interdependente, não uma existência inerente (em si mesma).

O budismo nos diz que também tudo o que aparece na vigília são criações da mente e têm uma existência interdependente. E, da mesma maneira que é útil cobrar lucidez durante os sonhos para não sofrer por eventos que ocorram, ainda que estes evanesçam quando chega o amanhecer, alguns dos quais podem nos levar ao mais puro terror, é igualmente necessário obter um estado de lucidez na vigília para que assim não soframos por eventos que ocorrem, os quais também se evanescerão um dia.

O "eu" não é uno, mas interdependente

Quê ou o quê é este eu? Se aponta ao seu corpo, bom, pois isso é o "corpo", não o "eu". Usualmente pensamos que somos mais que somente nosso corpo, porque podemos dizer que o "eu" está no corpo e o "eu" é superior ao corpo... Mas se o "eu" está no corpo, onde no corpo é que está? Se aponta ao seu peito e diz "está em meu coração" pode estar seguro de que nenhum cardiologista visualizou um "eu" ali. Se diz que seu "eu" está no cérebro - o centro de onde se assume o centro onde reside o pensamento e o espaço central entre os seus principais órgãos sensoriais - tampouco nenhum neurocirurgião avisto o "eu" ali.

É possível no entanto que você sustente que isto é uma redução muito simplista e que existimos como algo mais completo e sofisticado - algum tipo de padrão ou coleção de partes corporais e pensamentos produzidos pelos neurônios, memórias e emoções. Mas ao afirmar isto teremos regressado à ideia budista de interdependência.

Aos cientistas de laboratório, positivistas e racionalistas: o que observamos não é a natureza em si mesma, mas sim a natureza exposta a nossos métodos de interrogação.

Apontamento conclusivo

Isto pode nos levar à conclusão de que o eu não está em nenhuma parte da existência porque está necessariamente em todas as partes, deve ser não-local, deve estar distribuído equitativamente sem um centro e desvinculado de todos as trocas e sucessos que acontecem.

A vacuidade, conceitualmente suscetível a ser confundida com o nada, é de fato um reservatório de infinitas possibilidades.

A identificação com um eu é o que impede que notemos a irrealidade das coisas, posto que ao concebermos um eu estamos necessariamente também construindo um edifício mental que nos separa de todas as demais coisas: ser um eu individual é não ser todo o mais. É o eu que crê no mundo dos objetos. E para seguir existindo, desesperadamente em um instinto de sobrevivência, nos faz crer que estes objetos, dos quais obtém sua identidade por diferenciação, são reais. Só assim o eu também é real.

Devido à condição predominante da percepção do "eu" como interno, o reino dos fenômenos manifesta-se como um algo que é outro. 

Todas as aparências sensíveis não são mais que o espaço base do ser, e são únicas com o espaço base em si mesmo, como os reflexos de todos os planetas e estrelas no oceano, que não são mais que o próprio oceano.

Gautama que chegou a ser o Buda, isto é, o Desperto, o Lúcido - à diferença de nós, que estamos dormindo ou que estamos sonhando este grande sonho que é a vida.


Traduzido e adaptado de http://pijamasurf.com/2016/05/ejercicios-de-percepcion-espiritual-2-recuerda-constantemente-esto-es-un-sueno/

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