segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Com pena

Dos estados de espírito que mais me assaltam o bem-estar da alma e roubam toda a desenvoltura das minhas ações está aquela incômoda sensação de que perdeu-se a minha voz.
Não a voz vibratória produzida pelas cordas vocais e expelida garganta afora através da boca, mas a voz íntima que utilizo como farol e porto-seguro para explorar o desconhecido oceano do meu inner space. Nestes momentos de inquietude eu fico às cegas, sendo só capaz de estranhar a mim mesmo, como um homem que passa aos anos envelhecendo e apenas em final de vida encara perplexo seu reflexo irreconhecível no espelho.

Não sou capaz de antecipar por intuição a chegada destes dias que sem presságio nem explicação despem-me de mim mesmo e abandonam-me, criança, a sensações e dúvidas, destituído da capacidade de lançar-lhes as fagulhas do entendimento. 



A derradeira característica desta atmosfera espectral que recai sobre mim trazendo silêncio e perturbação é sua natividade em estados íntimos (...). O que difere esta inquietude minha do malogro experimentado pela donzela que vê sua maquiagem borrada devido à chuva repentina, ou do boi desidratado que arreia as patas estrebuchado no solo seco é que todos estes - a muita chuva ou falta dela - são fatores cambiantes externos.

No meu caso, aquilo que vem vem-me de dentro - como um passo em falso num degrau de escadaria que não está mais lá. E eu afundo sem corda de resgate nem voz à qual ouvir.
Sinto-me absente, como a nostalgia de esgotar a leitura de um livro e imediatamente perder melhores amigos e uma vida para sonho; ou o desiludir-se de um grande amor. Efeitos colaterais do despertar de um sonho...
Não tenho escolha a não ser sentir.
Mas se isso acontece no interior do meu quarto escuro, o que farei quando com a aurora se aproximar o momento de colocar os pés para além da soleira da porta?

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