terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Tradução: A globalização da ayahuasca: redução de danos ou maximização dos benefícios?

Resumo

Ayahuasca é um chá feito a partir de duas plantas nativas da Amazônia, Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, as quais contêm, respectivamente, os psicoativos químicos alcalóides Harmanos e dimetil-triptamina. O chá tem sido usado por povos indígenas do Brasil, Equador e Peru para propósitos medicinais, espirituais e culturais desde a era pré-colombiana. No século XX, uso do chá da ayahuasca espalhou-se para além do seu habitat nativo e tem sido incorporado a práticas sincréticas adotadas por pessoas não-indígenas no contexto da modernidade ocidental. A globalização da ayahuasca nas últimas décadas levou a um número de casos judiciais em que a liberdade religiosa duela contra as leis nacionais de controle de entorpecentes. Esse artigo explora as implicações filosóficas e políticas do uso contemporâneo da ayahuasca. Ele aborda a construção social da ayahuasca como a) prática médica, b) um símbolo sagrado e c) uma "planta ensinadora". Questões a respeito da redução de danos no uso da ayahuasca são exploradas, mas também se explora o assunto a partir da perspectiva de "maximização de benefícios".

Palavras-chave: Ayahuasca, enteógeno, alucinógeno, liberdade religiosa, maximização de benefícios

Introdução


Em fevereiro de 2006 a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que a liberdade religiosa deve prevalecer sobre as leis de drogas dos EUA em relação ao uso cerimonial do ayahuasca. O caso do município de Gonzales contra O Centro Espírito Beneficiente União do Vegetal (UDV) abordou a questão de se a 'hoasca', que contém a substância dimetil-triptamina arquivada como ilegal no Cronograma I, poderia ser consumida legalmente como um ritual realizado pela Igreja  UDV, que tem como sede o Brasil.

Os casos norte-americanos de ayahuasca são apenas um dos vários casos similares na Austrália, Itália, Países Baixos e Espanha. A questão levantada por essas ações judiciais tratam não só de liberdade religiosa mas também da substância em questão: ayahuasca. Embora ainda obscuro no panteão de substância psicoativas, o uso da ayahuasca passou a se expandir para além da Amazônia.  Praticantes, legisladores e pesquisadores enfrentam ps desafios sensíveis de tratar sobre substâncias psicoativas que resistem às conceituação e caracterização tradicionais sobre o "abuso" de drogas ilegais. Nesse artigo, descreverei brevemente a ayahuasca e seus efeitos, bem como seus usos tradicional e contemporâneo. Em seguida eu exploro algumas das questões filosóficas e políticas levantadas pela "globalização" da ayahuasca, e o florescente interesse em todo o mundo acerca o uso do chá. Essa discussão leva à interrogação a respeito do controle sobre a ayahuasca e outras drogas a partir da lógica da "redução de dano" cujo déficit indiscutivelmente justifica um reenquadramento das discussões de políticas públicas em direção do conceito corolário de "maximização de benefícios".

Ayahuasca e seus efeitos

"Ayahuasca" é uma palavra vinda do idioma do povo Quechua, um grupo indígena da Amazônia equatoriana e peruana.  Traduzida como "vinho da alma", ayahuasca refere-se tanto ao Banisteriopsis caapi, um cipó encontrado em partes ocidentais da bacia amazônica, quanto ao cozimento preparado a partir de B. caapi adicionado da mistura de outras plantas. Uma das mais comuns adições ao chá da ayahuasca é a mistura da folha de Psychotria viridis, uma planta da família do café. Para evitar confusões, nesse artigo a planta será referida por seu nome botânico, B. caapi, e o chá comum preparado da combinação de B. caapi e P. viridis simplesmente como ayahuasca.

A sinergia entre os químicos psicoativos presentes no B. caapi e na  P. viridis é um notável caso de interação farmocinética. O cipó de B. caapi contém alcalóides Harmanos como harmina e tetra-hidroharmina, que são inibidores reversíveis e de curto efeito sobre monoamina oxidase (MAO). Os inibidores da monoamina oxidase pertencem à classe farmacológica de químicos antidepressivos cuja função é prevenir o colapso dos neurotransmissores de monoamina no cérebro.  P. viridis contém dimetiltriptamina, ou DMT, um potente alucinógeno que é ativado quando tomado pela veia, mas não quando ingerido oralmente. Isso porque o trato gastrointestinal também contém a enzima monoamina oxidase, que metaboliza o DMT muito antes de ele alcançar o cérebro. Entretanto, quando o DMT é ingerido conjuntamente com inibidores MAO - neste caso com o chá de ayahuasca - seu metabolismo imediato é atrasado, possibilitando assim que chegue ao cérebro. De uma perspectiva biomédica, então, os efeitos únicos da ayahuasca são função da combinação do DMT com os psicoativos potencializantes dos alcalóides Harmanos. Por outro lado, a explicação dos efeitos da ayahuasca levantada pelas tribos amazônicas refletem um paradigma envolvendo domínios e forças sobrenaturais, uma narrativa corroborada, senão validade, pela fenomenologia da experiência com ayahuasca.



O longo espectro das preparações farmacopeias ao longo dos diferentes povos da região amazônica indicam que seu uso longamente precede o contato com os europeus. A variedade de nomes dado ao cipó B. caapi, tais como yagé, caapi, natem, oni, nishi também sugere uso histórico generalizado. Entretanto, o legado do sistema colonial na América do Sul, como acontece em muitas outras partes do mundo, tem irremediavelmente impactado povos indígenas e suas tradições, incluindo cosmologias nas quais a ayahuasca tem ocupado papel central. É sabido que autoridades coloniais e religiosas geralmente condenavam a ayahuasca e o xamanismo uma prática diabólica e impediram seu uso. Ainda assim, o uso ritual da ayahuasca entre os povos indígenas da Amazônia continua presente até o dia de hoje, embora com diferentes graus de sincretismo cristão através da influência passada e presente dos missionários na região. Da mesma maneira, transferência inter-cultural do conhecimento curativo da ayahuasca enrtre povos indígenas e não-indígenas continua a acontecer, isso inclui vegetalistas mestiços que oferecem tratamentos de saúde alternativos a moradores residentes urbanos em países como o Peru.

As práticas amazônicas tradicionais no uso do ayahuasca - como acontece em relação ao próprio nome do chá - variam ao longo dos diferentes grupos culturais, embora haja um elemento comum, a saber, o contexto cerimonial necessário ao seu consumo. Rituais são conduzidos por um curador experiente, ou ayahuasqueiro, quem passou por muitos anos de treinamento para se tornar hábil em administrar a bebida. A preparação a este papel inclui longos períodos de isolamento, abstinência sexual e observação de estritos intérditos alimentares envolvendo certas comidas ou carnes. Alguns desses resguardos são aplicados também aos participantes que serão servidos da bebida durante o ritual, já que correm o risco de invocar forças espirituais indesejáveis se acontecer a inobservância dos interditos. Os rituais inevitavelmente incorporam entoadas ou cantorias de ícaros - sons especiais por intermédio dos quais a cura, divinização ou conexão com os espíritos pode ser efetuada - e geralmente incluem um acompanhamento de outras plantas sagradas, como o tabaco. Em diversos sentidos, ayahuasca é um enteógeno paradigmático, ou substância psicoativa usada para propósitos espirituais.

Os efeitos psicoativos da ayahuasca são similares aos de outras drogas da mesma classe farmacológica, como LSD  e psilocibina (nota do tradutor: cogumelos), embora sejam eles efeitos fenomenologicamente únicos. Os efeitos geralmente iniciam-se de 30 a 40 minutos após a ingestão, atingem seu pico em cerca de 2h e passam completamente em 6h. A ayahuasca produz estimulação cardiovascular moderada, incluindo aceleramento na taxa de batimentos cardíacos com como aumento da pressão sanguínea diastólica. Os usuarios reportam sensações de estimulação visual ou auditiva, sinestesia, introspecção psicológica e fortes sentimentos emocionais, variando de ocasional tristeza ou medo para euforia, iluminação e gratidão. O chá tem gosto amargo e não pode ser descrito como prazeroso de beber. Ânsias ou vomito não são incomuns durante a experiência de ayahuasca, um efeito que é geralmente considerado como limpeza espiritual ou corporal.

Os efeitos a longo prazo do uso da ayahuasca em bebedores regulares ainda não foram bem estudados por cientistas médicos, já que o chá foi mantido relativamente às escuras até as últimas décadas do século XX.  Uma investigação preliminar em pequena escala nos membros das igrejas brasileiras de ayahuasca sugere que o chá não é fisiológica ou psicologicamente danoso quando usado em contextos cerimoniais. Shanon (2002) analisou a fenomenologia da experiência com ayahuasca a partir de uma perspectiva da psicologia cognitiva, trabalho que sugere muitos caminhos futuros para a pesquisa psicológica. Evidencias para a dependência de ayahuasca estão faltando; com efeito, muitos tem sugerido que o uso cerimonial da ayahuasca pode ter aplicações terapêuticas como um adjunto ao tratamento para vícios.

Uso contemporâneo da ayahuasca

Além do uso contínuo da ayahuasca entre os habitantes indígenas e mestiços tradicionais da Amazônia, outros tipos de práticas ayahuasqueiras têm surgido nos tempos modernos. A inevitável miscigenação entre a cultura indígena e a cultura dominadora na América do Sul ao longo do tempo resultou em usos híbridos da ayahuasca que continuam a se desenvolver através das forças da globalização. O Brasil tem sido fonte de vários movimento religiosos sincréticos que combinam elementos do uso indígena da ayahuasca, espiritualismo africano e liturgia cristã. Esses movimentos incluem o Santo Daime, fundado nos anos 1930 por Raimundo Irineu Serra; a União do Vegetal, fundada em 1961 por José Gabriel da Costa, e o Barquinha, um grupo que se separou do Santo Daime em 1945 (MacRae, 2004). Assim como as práticas tradigionais de ayahuasca indígena, esses grupos modernos incorporam um forte contexto ritual em seus usos da ayahuasca.  Perto do fim do século XX, seções do Santo Daime e da União do Vegetal começaram a ser estabelecidas para além das fronteiras brasileiras, em países como Austrália, Canadá, França, Alemanha, Japão, Países Baixos, Espanha e Estados Unidos.

O Santo Daime é a mais antiga e internacionalmente ativa igreja sincrética de ayahuasca no Brasil. Sua origem remonta aos anos 1920. quando seu fundador - um seringueiro brasileiro de nome Raimundo Irineu Serra ou Mestre Irineu - descobriu o chá através do contato com povos indígenas das remotas florestas nas fronteiras do Estado do Acre. O Santo Daime permaneceu obscuro e geograficamente isolado na Amazônia rural por muitas década. Entretanto, quando Mestre Irineu morreu em 1971, a igreja foi dividida em diversas facçoes, uma das quais - o Centro Eclético da Luz Universal que Flui  - ou CELFURIS - tem sido central na subsequente expansão do Santo Daime (MacRae, 1998). Após um período de reveses, em que o status da ayahuasca ficou incerto, o governo brasileiro em 1991 determinou que os benefícios do uso ritual prevalecem  sobre os potenciais riscos, e reconheceu os direitos ao uso sagrado do chá por grupos como o Santo Daime e a União do Vegetal.

Como resultado da expansão em países despreparados para os dilemas políticos colocados pelo uso de substâncias enteogênica não-indígena, o Santo Daime e seus partidários tem enfrentado ações legais em diferentes países durante a última década, incluindo Países Baixos, Espanha e Itália. Estes casos resumem a luta entre grupos que buscam a legitimação do uso sacramental da ayahuasca e os governos em estados democráticos liberais se esforçando para sustentar tanto a liberdade religiosa e as leis punitivas de drogas. 

Construindo ayahuasca - ontologia

Um dos dilemas apresentados pela ayahuasca às políticas contemporâneas de drogas é ontológico. Ontologia é o ramo da metafísica que envolve a análise filosófica da existência e categorização da realidade. As modernas leis de drogas e políticas são ontologicamente baseadas em uma visão mecanizada do universo, já que são extensões sócio-políticas dos projetos modernistas da ciência materialista. De acordo com eta visão, as drogas e seus efeitos podem ser totalmente explicados pelas ciências da bioquímica e da psicofarmacologia. Reinarman e Levine (1977) identificam esta tendência como determinismo farmacológico, a crença de que o efeito de uma droga é causada unicamente por suas propriedades farmacológicas, independentemente das idiossincrasias psicológicas ou do contexto social. Entretanto, a perspectiva construtivista reconhece que para além disso as drogas são um poderoso constructo social. Os efeitos que produzem na consciência e comportamento humanos não são decorrente apenas de sua bioquímica, mas também do rico significado social e simbólico que recebem.

De uma perspectiva construtivista, as drogas não podem ser completamente entendidas meramente pela análise de suas estruturas químicas e pela maneira como elas interagem com os sistemas neurofisiológicos.  É necessário considerar também os significados subjacentes ao seu crescimento, produção, preparação, consumo e categorização, todos os quais podem variar culturalmente através do tempo. Por exemplo, o conceito de "medicina" é uma construção cultural que nas sociedades modernas do Ocidente recebe significado através das poderosas instituições e sistemas de praticantes médicos. Substâncias específicas são considerados medicamentos não pelas propriedades inerentes a elas, mas em virtude de serem abençoados como tal pelos membros de poderosas classes profissionais (ou seja, médicos e farmacêuticos). A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) teve essa bênção entre os anos 1950 e 1960, quando foi considerada um promissor medicamento psiquiátrico, mas foi rapidamente deslegitimada quando o uso não-médico tornou-se manchete nos jornais e assunto de pânico moral. O álcool também uma vez foi considerado como um remédio, embora hoje na maioria das sociedades seu uso seja uma substância recreacional (ou algumas vezes cerimonial), exceto em alguns estados muçulmanos, onde é uma perigosa droga proibida. Com efeito, a frase comum "álcool e drogas" trai um compromisso ontológico implícito persistente à noção de que o álcool é algo que não seja uma droga.


Você é do tamanho do seu pensamento. A mente é fragmento do Pensamento infinito de Deus. Conectar-se com Deus é ampliar o pensamento a níveis extra-cósmicos.
A ayahuasca desafia quintessencialmente a categorização de ser uma mera "droga" - ou, em terminologia dos Instituto Nacional dos EUA sobre Abuso de Drogas, uma "droga de abuso". Com efeito, a ayahuasca tem sido culturalmente construído por seus vários usos médicos, sagrados e uma "planta ensinadora". Na Amazônia, a ayahuasca é considerada uma planta mestre, uma ferramente de diagnóstico e força curadora. Juntamente com o tabaco, é uma das mais importantes substância nas farmacopeias dos curadores tradicionais amazônicos.  Embora a ayahuasca tenha também vindo a ser construída como sagrada pelos grupos religiosos Santo Daime e União do Vegetal. Para seus partidários, o chá é considerado um presente divino que permite contato com forças e energias das quais o ser humano está apartado na vida cotidiana. A a ayahuasca é quintessencialmente uma "planta ensinadora", um mecanismo divinizante e natural que pode prover conhecimento esotérico aos adeptos hábeis em negociar seus notáveis efeitos. Estas conceituações representam um desafio para as políticas modernas ocidentais de drogas e as leis que têm como premissa uma ontologia  racionalista e positivista que constrói substâncias psicoativas essencialmente como produtos químicos, e seus efeitos como simplesmente mecânicos.

Um debate que isso levante é o problema da apropriação cultural. Eu seria negligente em não reconhecer humildemente que a ayahuasca é um exemplar do conhecimento indígena, uma tecnologia xamânica ou ferramente cognitiva que há muito tempo tem sido o que pode ser descrito como propriedade intelectual dos povos nativos da Amazônia. Por conseguinte, a sua mercantilização, comercialização e secularização são tendências preocupantes.  A questão da propriedade intelectual veio à atenção pública em 1990 nquando representantes das tribos amazônicas formalmente protestaram contra o escritório de patentes dos EUA, que tinha ingenuamente concedido uma patente sobre a  ayahuasca a uma empreendedora farmacêutica americana - a patente foi posteriormente anulada. No entanto, descartar o crescimento do interesse na ayahuasca como mera apropriação é um pouco simplista.. A gênese das igrejas brasileiras de ayahuasca - que são em vários aspectos os pioneiros da globalização da ayahuasca - foi um subproduto de fertilização intercultura (MacRae, 2004). Há também razão para crer que na era das enciclopedias, compartilhamento de arquivos e o movimento de fonte livre, o conceito de propriedade intelectual está rapidamente tornando-se um pitoresco anacronismo, um desenvolvimento que preocupa a corporações e acadêmicos tanto quanto a povos indígenas.

Ao contrário de há algumas décadas, entretanto, o espectro mental coletivo do início do século XXI está sendo expandido e reformado por tecnologias revolucionárias de informação e comunicação. Assim, à medida que a ayahuasca está sendo diversa e simultaneamente construída culturalmente no mundo (pós)moderno, forças singulares estão em jogo. Por exemplo, autoridades cujos interesses possam ser servidos pela disseminação de inverdades ou representações depreciativas sobre a ayahuasca - como o foram por incontáveis vezes no passado, em relação a outras drogas ilegais - são duramente pressionadas pelo desafiar imposto pelo tamanho e alcance da informação factual facilmente disponível ao público leigo. O uso da internet pelos aficionados pela ayahuasca permite uma diversidade de pensamento e expressões sobre o chá e seus efeitos, impondo significantes desafios aos criadores de políticas.

Em respeito ao uso de substância psicoativas, duas dominantes construções do problema são identificadas por Marlatt (1996): uso de drogas como uma questão moral e uso de drogas como uma doença. A primeira estabelece certas drogas como intrinsecamente maléficas, atribuindo a elas agência e capacidade de sobrepor a livre vontade humano. Nesta metáfora do"agente maléfico" está implícita a noção de que o usuário de droga é imoral e deve ser punido; é essa metáfora generalizante que sustenta o regime global de proibição das drogas. A segunda metáfora dominante considera as substâncias psicoativas como patógenos. Esta tem se tornado a metáfora predominante no campo da saúde pública, onde prevalece os discursos sobre tratamento e prevenção. Com os "patógenos" como metáfora, o uso de drogas é considerado uma doença contra a qual a juventude deve ser inoculada e pela qual as pessoas devem ser tratadas.

As duas metáforas dominantes sustentando a atual política de drogas - "agentes maléficos" e "patógenos" - não são particularmente úteis para enquadrar o uso das substâncias enteogênicas. A longa tradição do uso médico, sagrado e mestre da ayahuasca impõe um desafio a categorizações metafóricas tão simplísticas. Ao invés disso, eu sugiro um deslocamento para a perspectiva das drogas como "ferramentas", que oferece mais nuances à maneira de conceber os riscos e benefícios demonstrados pelas práticas da ayahuasca. Ao invés de essencializar as substância psicoativas como inerentemente perigosas, considerá-las como ferramentas - técnicas antigas para alteração da consciência - permite uma avaliação realista dos seus potenciais benefícios e prejuízos, de acordo com o contexto de quem usa, e para que propósitos. Entretanto, ambos o uso tradicional e contemporânea das práticas cerimonias da ayahusca sugere benefícios que a metáfora da ferramente consegue melhor contabilizar em termos da consideração das políticas.

A filosofia de redução de danos é também brevemente iluminada por um deslocamento ao princípio geradora das drogas como ferramentas. No que diz respeito aos elaboradores de política ou praticantes que enfatizam o comportamento de riscos potenciais, a política da redução de dano é justificada. Entretanto, a metáfora da ferramenta para as substâncias psicoativas garante o corolário da noção de "maximização de benefícios", o outro lado da moeda redução de danos. Ao invés de abordar a política de drogas a partir da perspectiva do déficit - implicado pelas metáforas dos "agentes malevolentes" e "patógenos" - a metáfora da ferramenta abre avenidas discursivas para políticas realistas de consideração dos benefícios bem como dos danos. Entretanto, a redução de dano tem sido o conceito valorizado, estimulando abordagens baseadas na abstinência ao uso de drogas não-médicas. O deslocando das políticas para uma perspectiva de saúde pública mais humana, evidencia as suas limitações diante da metáfora geradora de "droga como ferramenta". 

A tradicional bordagem a partir da redução dos danos sobre a ayahuasca enfatizaria tipos similares de precauções quanto ao LSD, psilocibina o outras drogas psicodélicas. Essas incluem saber e confiar na fonte da substância, controlar a mentalidade e o cenário (isto é, preparação psicológica e arredores físicos), tendo uma "babá" que pode estar consciente da segurança, não dirigir ou participar de outras atividades arriscadas durante os efeitos, e desencorajamento de uso por indivíduos com tendências a distúrbios psiquiátricos. Incluiriam também precauções epescíficas quanto à dieta e combinação de medicamentos. Os efeitos inibidores MAO dos alcalóides Harmanos no chá de ayahuasca justificam restrições dietéticas para alimentos que contêm o composto monoamina tiramina. Tiramina ingerida em combinação com drogas inibidoras MAO pode resultar em crises de hipertensão.  tiramina composto monoamina. Da mesma forma, os inibidores da recaptação da serotonina podem ter interações potencialmente prejudiciais com inibidores MAO, então as pessoas que tomam estes tipos de medicamentos são aconselhadas a evitar a ayahuasca. Interessantemente, práticas indígenas de ayahuasca na Amazônia também incorporam universalmente dietas estritas e protocolos comportamentais.

Um benefício da abordagem de maximização aplicada ao uso da ayahuasca, por contraste, iria envolver a criação de políticas para prover acesso legitimado aos cenários cerimoniais. Esse processo incluiria considerar uma variedade de instrumentos políticos à disposição das autoridades de saúde pública para assegurar a minimização dos riscos. Tal abordagem pode começar com a formalização dos protocolos de redução de dano listados acima. Poderia também incluir adoção de disposições que assegurassem que os ayahuasqueiros ou líderes espirituais fossem habilidoses e competentes em liderar rituais (quer  através da auto-regulamentação ou certificação), inspecionando e licenciando instalações ou centros onde cerimônias de ayahuasca fossem conduzidas, e regulação da produção do chá para garantir que ele esteja em conformidade com pureza ou potência especificadas (como é atualmente realizado em alguns países com outros produtos naturais de saúde). Uma abordagem de maximização de benefícios certamente implicaria mais investigação sobre ambos os efeitos a curto e longo prazo da ayahuasca e as práticas sociais em que é usado, que por sua vez podem fornecer mais orientação política.

Conclusão

O crescente interesse no uso da ayahuasca por povos modernos não-indígenas coloca desafios conceituais significantes quanto às drogas e política de drogas. A ayahuasca tem rica história de uso como medicamente, sacramento e planta ensinadora, construções culturais que não encaixam-se prontamente nos quadros contemporâneos da política de drogas. A globalização da ahyahuasca na última parte do século XX e começo do século XXI é um fenômeno que demanda reconsideração de algumas das suposições metafísicas e sociológicas da contemporânea política de drogas. Vários casos legais já têm aberto as portas a uma garantia da liberdade religiosa ao uso cerimonial da ayahuasca. Por conseguinte, os criadores de políticas estariam bem aconselhados a considerar outras ferramentas políticas além da criminalização para balancear os interesses conflitantes da justiça criminal, saúde pública e direitos humanos. Em relação à teoria de redução de danos, o uso contemporâneo da ayahuasca deu peso ao corolário da noção de maximização de benefícios.

Kenneth W. Tupper - Departamento de Estudos Educacionais, Universidade da Colúmbia Britânica, BC, Canadá. 

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