sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Viagem a São Sebastião - Ilhabela



Dia anterior: 

Reggae do manero, Hermes e Renato, brinde de sakê.

tô com o cabelo ensebadoôô,
com o pé inchado de cachaceirôô

Dia 1

Taxista Marcos da Uber, um negrão grande de rosto simpático que veio nos buscar de madrugada falando sobre “o cliente ser tratado como pessoa”. Contou uma história hilária. Rimos todos com vontade. 

Eu com o Treguier sentado no meu colo olhei pela escuridão da madrugada na Corifeu e tive certeza de que seria uma boa viagem. Nos encaminhamos de metro até a estação Tietê e compramos as passagens para São Sebastião.

Descemos do busão no centro de São Sebastião e caminhamos até a balsa.

Ao chegar na ilha, caminhamos até o ponto de ônibus e entramos no busão que ia até Borrifos.

Em 1 hora de viagem chegamos ao ponto final que é exatamente numa estrada de terra no meio do nada. Descemos e andamos um pouco em direção ao Parque Estadual Ilhabela. 

Neste primeiro trecho da trilha as diversas cachoeiras cortadas pelas pontes e passarelas são cenário para exploradores despretensiosos, fotógrafos e jovens casais apaixonados. Lavamos nossos corpos sujos e suados na água fria e continuamos pela trilha larga de chão batido, fácil de andar mas longa e repleta de borrachudos. 

A questão das mochilas. 

O Treguier estava com problemas de bagagem muito pesada, e então a equipe optou por alternar turnos carregando sua mochila. Recomendamos a todos as bolsas de 50 ou 60l easy fit da Quéchua.

A tarde escureceu enquanto caminhávamos nesta trilha ondulada de barro batido, e decidimos acampar no alto do mirante a alguns quilômetros da praia do Bonete, de onde podíamos contemplar a sublime paisagem do arquipélago de Ilhabela.

Cuidado: Mosquitos!

Os malditos borrachudos (Simuliidae) são o problema de qualquer pessoa que se aventura em Ilhabela. No entanto, descobri que sou alérgico à picada destes mosquitos infernais. No decorrer de um dia recebi tantas picadas destes insetos detestáveis que minhas mãos incharam e tomaram a aparência de pãezinhos. Os braços também incharam e ganharam a textura plástica de um bebê muito fofo e chorão. Muita dor para segurar objetos, amarrar os cadarços, colocar a mochila, etc.

Eu comi lixo mas sobrevivi!

O grupo de seres humanos que acampara anteriormente naquele local descartou alguns mantimentos nos arredores do mirante. O Renato já havia preparado o jantar, e todo mundo já estava de barriga cheia, mas eu senti que aquelas torradinhas salgadas e crocantes cairiam bem como sobremesa! Também cresci os olhos sobre a latinha amarela de leite Ninho que tava dando sopa ali, lacradinha. Misturei com água e fiz uma pasta deliciosa. Eu tive certeza de que os mantimentos haviam sido descartados no máximo há um 1 atrás, e que estavam limpos, mas ninguém pareceu botar fé.
Comi tudo sozinho e fui dormir rezando para não ter intoxicação alimentar e nem explodir de tanto inchar.

Conquistaremos mais uma barraca, Romoaldo!

No acampamento que armamos havia excesso de borrachudos e fedor masculino, com carência de espaço pois dormiram 3 nêgos dentro da mesma barraca. Foi a pior noite de sono da minha vida. Sinto que somando o tempo de sono na noite eu dormi no total uns 5 minutos porque estava acordando transtornado e suado a cada segundo. Abri a portinhola para arejar a barraca e poder estender a perna mas este foi um trade off ingrato pois os mosquitos invadiram a barraca e puderam tocar ainda mais o Terror. 

dia 2.

Pela manhã muito desespero e desolamento na barraca que agora, além de tudo, já estava fervilhando pelo Sol das 9h da manhã que incidia brutal e diretamente sobre o altiplano do mirante. A preocupação da equipe era se eu teria condições para continuar a trilha.

Desarmamos as barracas e seguimos pela continuação da trilha até chegarmos ainda de manhã à praia do Bonete com sua areia alva e muitas lanchas.

O Bonete é atração para jovens e adultos que querem desfrutar um feriado mais próximos à natureza. Procurando pelo camping conhecemos uma garota de pele morena clara e drealocks sintéticos na cabeça, que disse se chamar Maria e estar hospedada exatamente onde precisávamos ir. Nos guiou pelas ruazinhas do vilarejo até o camping, que era no quintal de uma casa. Lá havia, cozinha coletiva, banheiros, água quente e espaço embaixo das árvores para armar as barracas.

Muita maconha rolando, laricas apetitosas no fogão à lenha e jovens roots ou rootzeiros em geral, bem-humorados e dispostos a trocar uma ideia bacana para tentar se conhecer.

A importância de levar antialérgicos.

Eu precisava me recuperar do esgotamento do dia anterior e curar minha mão inchada. Entrei na barraca para cochilar durante a tarde e foi quando a situação mais grotesca aconteceu. Um borrachudo invadiu a barraca, me picou bem no lábio e eu imediatamente senti a pele do meu beiço inchando como um balão preenchido de ar quente.

O Honda disse que minha aparência despertava bad trip. Não duvido disso. Pelo menos todos do camping riram de mim, e riram comigo!

Tomei os antialérgicos que a equipe sabiamente havia trazido para a ilha, e fui dormir torcendo para acordar melhor, e que pudéssemos continuar nos divertindo no dia seguinte.


dia 3.

Acordamos e tudo ainda estava escuro. Minha boca inchada não me impediu de continuar. Seria um dia cansativo e também sensacional por paisagens imprevisíveis e sublimes.

Desmontamos o acampamento e logo chegamos à praia de Anchovas ainda antes de o Sol começar a tostar nossa pele por dentro das camisetas dri-fit encharcadas de suor. Avistamos um pescador de pele branca vestido com macacão de borracha azul sendo ajudado por sua mulher a mexer nas redes de pesca.

Os cachorros olhudos vieram nos receber ensaiando investidas e latindo ofensivamente. O senhor se  chamava Anacreto e disse que aquela praia era particular. Embora lá houvesse um heliporto Anacreto afirmou “aqui não tem nada além de borrachudo”.

Morro acima subimos por uma trilha bem marcada e apinhada de samambaias tamanho-família. As altas árvores de copa densa protegiam-nos do Sol imponente. Estávamos suando por todos os poros do corpo. O líquido salgado que escorria pela testa ardia os olhos e embaçava a lente dos óculos. Nossas roupas embebidas por suor pingavam, e quando o vento batia era toda uma sensação de frescor e satisfação.

Uma surpresa muito louca!

Estávamos no meio da Mata Atlântica selvagem e inóspita enquanto os pássaros, as cigarras e todo tipo de inseto saudavam nossos passos com euforia. Então subitamente a coisa mais improvável do mundo aconteceu quando adentramos um condomínio particular com calçadinhas de paralelepípedo conduzindo-nos a jardins amplos e Casas da Cascata de Frank Lloyd Wright.

Placas com sinais de “Entrada terminantemente proibida” abocanhavam o espaço e intimidavam o trilheiro que se pergunta "É o ser humano bicho assim tão mesquinho mesmo?"

Descemos pelas largas vias do condomínio de elite e a situação mais improvável e fascinante do mundo aconteceu quando nos deparamos com a magnitude colossal da Praia de Indaiaúba. Sua beleza tranquila era equivalente à grandeza de sua extensão e o tamanho das enormes rochas dispostas ali elegantemente por Deus. Gaivotas a apreciavam os tons esmeralda e turquesa translúcidos do oceano. Libélulas em seu voo matinal inspecionavam elegantemente as cracas esverdeadas que cresciam nas rochas, em ecossistemas tão ricos e complexos quanto a vida em si mesma. 

Depois de descansar deixamos a altitude do mar para subir agora por uma trilha muito íngreme e abafada. Interrompemos a marcha várias vezes para descansar enquanto subíamos. Alcançamos o pico e depois contornamos toda a montanha por um terreno quase plano que se embrenhava pela úmida mata atravessada por córregos rasos.

Território de aranhas e mutucas. 

Muito atenção neste trecho! O Renato já estava com as panelas na mão para cozinhar quando um bicho nervoso e intimidador que nos espreitava pelas folhas veio zunindo de longe, trazendo muito pânico ao ferroar o Honda por cima mesmo da camiseta! 

Motuca (Tabanidae) é um bicho do tamanho de uma amora que faz pensar em como no meio do mato o ser-humano não é, enfim, um animal tão onipotente quanto se concebe ser. 

Uma só motuca foi suficiente para nos expulsar dali. Concluindo, o Renato guardou as panelas e andamos por mais 2km, mortos de fome, antes de almoçar.

Espetacular era quando passávamos por alguma clareira…! Árvores de troncos grossos desabadas umas naturalmente sobre as outras evidenciavam elegantemente o Grande Plano da Natureza. O Sol banhava estes templos da vida silvestre que acontece em níveis tão microcósmicos quanto sutis, misteriosos e sagrados.

O correr das águas nas cachoeiras ao longe fundia-se ao murmúrio que as árvores fazem e ao som dos insetos e pássaros numa relaxante harmonia de sons naturais. Uma delicada vespa amarela inspecionou calmamente a folha de textura rugosa e proporcionalmente gigantesca para seu tamanho e foi embora.

Uma cultura que vive e resiste.

Chegamos à Praia Vermelha por volta das 16h. Almoçamos enquanto observávamos os caiçaras que vivem ali isolados da cidade e de sua loucura diabólica, que suga o espírito do homem citadino em troca de alguns trocados.

Vi uma criança ajudando seu irmão a preparar um barco. O jovem zarpa e some no horizonte deixando apenas o som de seu automóvel como rastro. A criança ficou na praia, brincando com os cachorros. Nas cadeiras de balanço à entrada das casas os velhos observavam aquela praia que consistia não só um quintal, mas também um meio de produção e sua vida.

São homens livres que não vendem sua força de trabalho a nenhum porco-vampiro capitalista.

Um barqueiro de pele marrom tostada chega despretensiosamente do oceano e estaciona na areia acenando a nós no entardecer fresco e perfeito. Gente simples e rústica que resiste contra as investiduras de um Sistema que em sua expansão Ilha adentro busca homogenizar as formas de vida e cultura do Homo sapiens. 

Deixamos a praia e às 17h estávamos nós de novo ascendendo morros com inclinação, sem exagero da minha parte, próximas mesmo a uns 90º. Indo em frente passamos por casas simplórias e uma Igreja Pentecostal Deus é Amor.

Valeu por ter suportado, Diego! 

Este momento também foi de muita apreensão pois o nosso companheiro Diego estava sentindo ânsia de vômito devido ao desgaste físico sofrido no decorrer do dia. O dedão do pé dele estava em carne viva e expelia muito pus. 

O Sol já tinha se posto quando chegamos a Castelhanos, a praia mais fantástica que já tive a oportunidade de visitar. Sua baía é longa e larga, com uma ilhota verde fixa em profundas águas densas e intimidantes.

O maravilhoso camping do seu Léo.

Um amplo e aconchegante pasto de areia coberto nas extremidades por grandes lonas sob as quais os viajantes armam suas barracas. A alguns metros de nós o movimento etéreo da estrada por onde desfilavam os pedestres, jipes e bicicletas num ritmo hipnotizante e em câmera lenta. 

Dia 4. 

Um dia de descanso e realização.

Tínhamos todo o dia para curtir e descansar!

Senti-me uno com aquele lugar. Existindo, e compartilhando com os amigos. Buscando aprender com os erros, e perdoando sempre.

Naquela noite só as crianças brincaram na orla da praia em frente ao acampamento. Meninas e meninos riam, e as luzes de suas lanternas por entre as os galhos das árvores iluminavam o céu escuro.

Dia 5.

18km até a civilização

Levantamos às 5h e deixamos o camping do Seu Léo às 7h da manhã.  Caminhamos »muito« pela estrada de paralelepípedos. Só jipes e motos indo e vindo. As pessoas do alto de seus automóveis batiam palmas para nós, os resilientes trilheiros inchados, fedidos e com ossos moídos pela dor. Depois de mais de 6 horas de caminhada chegamos à portaria do Parque e almoçamos. Tomamos o ônibus, passamos pela balsa e embarcamos para São Paulo às 16h40.

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