quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Desconstruindo a ilusão de que somos egos e de que existimos separados

Um dos ensinamentos centrais do budismo é que o eu individual que aparece a nós tão sólido e estável não existe por conta própria na realidade, e sim que emerge com nossos pensamentos, conceitos e relações. Como tal, não pode encontrar-se em nenhum lugar específico e só se mantém enquanto reificamos conceitos de ser tal pessoa, com estas ou aquelas características.

Palavras-chave: budismo, vacuidade, psicologia, ego, holístico, conexão.

O limite do corpo humano é a pele?

A palavra indivíduo significa "indivisível", mas não há nada em nós que nos seja indivisível: nosso corpo está formado por uma pele e órgãos que por sua vez estão formados por tecidos, que estão formados por moléculas que estão formadas por átomos... Mas os átomos, segundo a física moderna, não são realmente coisas, são ondas de informação que surgem e desaparecem. Agora bem, se a isto respondermos que não estamos em nenhuma parte em específico além mesmo da totalidade do nosso corpo, então surge a pergunta de até onde chega nosso corpo, já que nossa pele é permeável e estamos constantemente sendo penetrados por milhões de microrganismos, pela luz do sol e diferentes ondas de espectro eletromagnético; mesmo assim estamos respirando e recebendo do ambiente numerosas influências sutis. Assim, nosso corpo não é muito estável, não tem limites definidos que podem fixar nossa identidade. Podemos dizer então que na realidade somos nossa mente, mas onde está nossa mente? Segundo o mestre Tsoknyi Rinpoche:

Não há um lugar a partir do qual a essência da mente provenha ou surja, não há um lugar aonde vai ou onde desapareça, e não há um lugar onde agora mesmo se encontre. Ainda assim, está presente em todas as partes, de uma maneira que a tudo penetra. Assim sua essência é a vacuidade. (Vacuidade como princípio de potência criadora. Lembrar da espuma quântica.)
O ego é construído pelo diálogo interno e pelos rótulos que recebemos.

James Low observa que a mente é como o espaço, uma conhecida metáfora do budismo tibetano. Como o espaço, é algo que não se pode agarrar, não é uma coisa; é de onde surgem os fenômenos, é potência ilimitada (somos espaço que sonha com ser sólido). O ego tampouco é uma coisa, mas ao nos apegarmos a ele, ao crer que é uma coisa, surge uma sensação aparente de solidez - o que para os tibetanos é um predomínio do elemento terra. Temos, ao nos apegarmos reiteradamente a esta noção (a esta tensão) de ser um eu individual, a ilusão da durabilidade, sustentação e previsão. Isto de certa maneira nos dá segurança, mas por outro lado nos limita e nos faz rígidos. Ao sermos sólidos e termos uma identidade definida, as coisas podem nos atingir: qualquer sucesso que nos ocorra nos marca, qualquer carapuça que nos empregam, nós usamos. Se fôssemos como o espaço, nada permaneceria, da mesma maneira que a ave não deixa rastros no céu. Ao nos concebermos sólidos, independentes, separados, como objetos rígidos, como o elemento terra, trancamo-nos no nosso próprio mundo; concretizando a fantasia de nossa descrição do mundo, do nosso diálogo interno, de existir separados diante de uma infinidade de objetos constantemente a mudar, que determina nosso prazer ou dor.

Temos de viver com a pesada responsabilidade de administrar nossa própria personalidade. Cuidar do nosso prestígio, da opinião que acreditamos que as outras pessoas fazem da gente, e também temos de administrar e reforçar os conceitos que temos de nós mesmos, e não só os positivos, mas também os negativos. Chegamos então a existir como sujeitos e objetos, os dois ao mesmo tempo fragmentados - o sujeito que tem a experiência, e os objetos conceituais que temos criado, acreditando que somos de certa maneira, o qual evidentemente gera uma enorme preocupação e gasto de energia, já que temos que andar cuidando e dialogando com todos estes objetos que sustentamos com nossos pensamentos. O comentário interno que temos sobre nós mesmos é uma manifestação da nossa ansiedade quanto aos comentários que acreditamos que os outros fazem de nós mesmos e também dos comentários que fazemos sobre outras pessoas. Isto implica estarmos permanentemente confundindo o mapa com o território, já que sustentamos diálogos virtuais com pessoas que não estamos vendo e em situações que não estamos vivendo.

Nossa identidade surge com estes diálogos internos e da retroalimentação que temos com o mundo e com as demais pessoas. Está se recriando constantemente, em cada uma destas interações. Sugere-se que é por isso que nos assusta ficarmos sozinhos em algum lugar sem fazer nada. Isto nos coloca em uma crise de identidade. Pode ser uma oportunidade de observar nossa mente e entender como nossos pensamentos nos levam constantemente a nos identificar com objetos e conceitos, ou simplesmente nos colocarmos num estado de angústia porque não podemos nos retirar de nosso conteúdo mental ao nos projetar sobre um objeto familiar.

Traduzido e adaptado de: http://pijamasurf.com/2016/11/desconectados_la_interesante_tendencia_en_europa_de_abandonar_internet/

Nenhum comentário:

Postar um comentário